Oz Perkins, um nome que ressoa com a melancolia e o horror atmosférico de obras como A Filha do Diabo e A Casa do Medo, nos entrega com O Macaco (The Monkey) uma experiência cinematográfica que, à primeira vista, pode parecer um desvio de sua assinatura. No entanto, ao mergulhar nas profundezas desta adaptação da obra de Stephen King, percebe-se que Perkins não apenas mantém sua voz autoral, mas a expande para um território inusitado: o da comédia de horror grotesca, onde o riso e o pavor se entrelaçam em uma dança macabra. O filme não é apenas um tributo ao mestre do terror, mas uma declaração pessoal e brutalmente honesta sobre a crueldade aleatória da existência.
A Sinfonia do Caos: Narrativa e Produção

A narrativa de O Macaco é um golpe certeiro desde o prólogo. Somos lançados diretamente no desespero de um Adam Scott ensanguentado, carregando um macaco de brinquedo que exala uma aura sinistra. Essa abertura, desprovida de explicações imediatas, estabelece o tom de comédia de humor negro e a natureza implacável do brinquedo amaldiçoado. É um aceno à confiança de Perkins como cineasta, que não teme subverter as expectativas e mergulhar de cabeça no absurdo. O macaco, com seu tamborilar incessante, torna-se um arauto da morte, e a simplicidade dessa premissa é a sua maior força.
O filme então nos transporta para a infância dos irmãos gêmeos Hal e Bill Shelburne, interpretados por Christian Convery em suas versões jovens e Theo James na fase adulta. A descoberta do macaco de brinquedo de seu pai – que, para a surpresa do público, já havia sido destruído – desencadeia uma série de mortes brutais e inexplicáveis. A cada volta da chave nas costas do brinquedo, uma nova tragédia se abate sobre a família, culminando na morte de sua cínica mãe, Lois, vivida por Tatiana Maslany. A tentativa desesperada de se livrar do macaco, jogando-o em um poço, revela-se inútil, pois o brinquedo retorna anos depois, reacendendo o terror e a discórdia entre os irmãos.
As virtudes da narrativa residem na sua ousadia em abraçar o gore e o humor de forma indissociável. Perkins se deleita em conceber mortes inventivas e chocantes, que beiram o cartunesco em sua violência. A cena da piscina eletrificada é um exemplo primoroso da criatividade sádica do diretor, assim como a sequência em que a cabeça de uma mulher pega fogo, culminando em um banho de sangue quase operístico. Esses momentos, embora chocantes, são imbuídos de uma energia quase cômica, que impede o filme de cair no melodrama ou na autoparódia barata. A montagem é afiada, sem gorduras, garantindo um ritmo frenético que mantém o espectador na ponta da cadeira, enquanto a cinematografia confere ao filme uma estética visual marcante, com imagens que se gravam na memória.
No entanto, a narrativa não está isenta de pequenos deslizes. A previsibilidade de algumas reviravoltas, embora inerente ao gênero e à própria obra de King, pode ser um ponto fraco para espectadores mais exigentes. A superficialidade no desenvolvimento de alguns personagens secundários também é notável, embora compreensível dada a natureza focada na relação dos irmãos e na figura central do macaco. Contudo, esses são detalhes menores que não comprometem a experiência geral, que se mantém coesa e envolvente.
O Espelho da Alma: Personagens e Elenco

O elenco de O Macaco é um dos seus pilares, com atuações que elevam o material e conferem profundidade aos personagens, mesmo em meio ao caos e ao humor negro. Theo James, no papel dos irmãos gêmeos Hal e Bill Shelburne, entrega uma performance notável. Ele consegue diferenciar os dois personagens, mesmo que sutilmente, transmitindo a complexidade de sua relação, marcada pelo trauma e pela inevitável separação. Sua interpretação de Hal, o irmão mais atormentado, é particularmente convincente, enquanto Bill, o mais pragmático, serve como um contraponto interessante. A química entre os dois “eus” de James é palpável, e ele carrega o peso emocional da história com maestria.
Tatiana Maslany, como Lois Shelburne, a mãe cínica, rouba a cena em suas aparições. Sua capacidade de transitar entre o sarcasmo e o desespero é impressionante, e ela confere à personagem uma humanidade que a torna memorável, mesmo em um papel relativamente pequeno. Christian Convery, como as versões jovens de Hal e Bill, demonstra um talento promissor, capturando a inocência e o terror das crianças diante do inexplicável.
O elenco de apoio também brilha em seus respectivos papéis. Adam Scott, em sua breve, mas impactante aparição como o Capitão Petey Shelburn, estabelece o tom sombrio e cômico do filme. Elijah Wood, como Ted Hammerman, e Rohan Campbell, como Ricky, entregam performances que, embora menores, contribuem para a atmosfera bizarra e imprevisível da trama. Sarah Levy, como Tia Ida, e o próprio Oz Perkins, como Tio Chip, adicionam camadas de excentricidade e humor à história, reforçando a ideia de que a família Shelburne é tão disfuncional quanto amaldiçoada.
O Subtexto da Existência: Temas e Simbolismos

O Macaco transcende a mera comédia de horror para se aprofundar em temas existenciais complexos. A frase “Todo mundo morre, e isso é a vida”, repetida ao longo do filme, é o cerne da sua mensagem. Perkins não se esquiva da brutalidade inerente à existência, e o macaco de brinquedo se torna um símbolo da aleatoriedade e da inevitabilidade da morte. Diferente de filmes como “Premonição”, onde os personagens lutam para enganar a morte, em O Macaco não há escapatória. A morte é uma força onipresente, caprichosa e, por vezes, até bem-humorada.
O filme é, em sua essência, uma meditação sobre a aceitação da morte e a forma como lidamos com as tragédias inesperadas que a vida nos impõe. A conexão pessoal de Oz Perkins com a história, inspirada na perda de sua mãe nos ataques de 11 de setembro, confere ao filme uma camada de profundidade e melancolia que o distingue de outras produções do gênero. O macaco, nesse contexto, pode ser visto como a personificação do trauma, da dor que retorna e assombra, mas também da necessidade de encontrar um sentido, ou até mesmo um riso, diante do absurdo.
O subtexto da aceitação da morte é sutil, mas poderoso. Os irmãos, ao longo da trama, são forçados a confrontar a realidade de que não podem controlar o destino, e que a única forma de seguir em frente é aceitar a impermanência da vida. O humor negro, as mortes exageradas e a atmosfera bizarra servem como um mecanismo de defesa, uma forma de rir na cara do perigo e da dor, transformando o horror em uma catarse coletiva.
O Macaco que Nos Ensina a Rir da Morte
O Macaco (The Monkey) é um filme que desafia classificações. É um horror que faz rir, uma comédia que aterroriza, e uma obra profundamente pessoal que ressoa com a experiência universal da perda e da aceitação. Oz Perkins, com sua visão singular, nos entrega um filme que é ao mesmo tempo um tributo a Stephen King e uma declaração autoral sobre a vida, a morte e o humor inerente à tragédia. A mensagem subliminar do filme, a aceitação da morte como parte intrínseca da vida, é entregue de forma magistral, sem didatismo, mas com uma força visceral que permanece muito depois que os créditos sobem.
O final do filme, sem revelar detalhes cruciais, é um clímax que reforça a ideia de que o ciclo da morte e da vida continua, independentemente dos nossos esforços para controlá-lo. A aceitação da morte não é uma rendição, mas uma libertação, um reconhecimento de que a vida, em toda a sua brutalidade e beleza, é efêmera. O macaco, em sua dança incessante, nos lembra que, no fim das contas, todos nós somos apenas brinquedos nas mãos do destino, e que a melhor forma de enfrentar o inevitável é com um sorriso, por mais macabro que ele seja.
O Macaco é uma experiência cinematográfica que vale a pena ser vivida, um filme que provoca, diverte e, acima de tudo, faz pensar. É um lembrete de que, mesmo nas sombras mais profundas, há sempre espaço para um riso, por mais sombrio que ele seja.
Nota IMDb: 7.7/10
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