Em meio a segredos e ambições, a Netflix nos transporta para a Dublin de 1868, onde a lendária família Guinness enfrenta o legado agridoce de seu patriarca. Uma saga envolvente que mergulha nas profundezas do poder, da moralidade e da luta incessante entre o passado e o futuro, prometendo prender a atenção de quem busca um drama histórico com toques de modernidade e intriga familiar.
Narrativa: Entre o Brilho e a Saturação

House of Guinness se desenrola em um cenário de luto e efervescência social, com a morte de Sir Benjamin Guinness servindo como catalisador para uma intrincada teia de ambições e conflitos familiares. A série, idealizada por Steven Knight, o mesmo gênio por trás de Peaky Blinders, carrega consigo uma promessa de drama histórico robusto e envolvente. E, de fato, nos primeiros episódios, essa promessa é cumprida com maestria. A trama inicial, centrada na leitura do testamento e nas consequências para os herdeiros, é um deleite de intriga e tensão, lembrando a complexidade de Succession ambientada na Dublin do século XIX.
As virtudes da narrativa residem na sua capacidade de prender o espectador desde o primeiro momento, apresentando personagens multifacetados e um contexto histórico rico. A forma como a série aborda a Irlanda pós-fome da batata e o crescente anseio por liberdade é um pano de fundo potente para os dramas pessoais da família Guinness. No entanto, a ambição de Knight, que por vezes é sua maior força, aqui se revela um calcanhar de Aquiles. A partir do quinto episódio, a narrativa começa a perder fôlego, tornando-se arrastada e, por vezes, repetitiva. A tentativa de dar espaço a cada ramificação da árvore genealógica Guinness e a todos os personagens secundários dilui o impacto da trama principal, que se beneficiava de um foco mais acentuado nos conflitos centrais. O que começa como uma saga intensa e bem ritmada, gradualmente se transforma em uma jornada mais divagante, sugerindo que uma edição mais concisa teria elevado significativamente a experiência. A série, embora envolvente em seus pontos altos, sofre de uma saturação de subtramas que, em vez de enriquecer, acabam por dispersar a atenção do público.
Elenco e Atuações: A Força dos Rostos e a Nuance dos Papéis

O eixo central de House of Guinness reside, sem dúvida, em seu elenco primoroso, que entrega atuações que elevam a série para além de suas falhas narrativas. A escolha de cada ator parece ter sido meticulosamente pensada para capturar a essência dos personagens históricos e ficcionais que compõem a saga da família Guinness.
Anthony Boyle como Arthur Guinness é uma revelação. Ele encarna o irmão mais velho com uma mistura fascinante de arrogância aristocrática e vulnerabilidade oculta. Sua interpretação de Arthur, um homem que se ressente de ser forçado a abandonar sua vida londrina de prazeres para assumir responsabilidades familiares, é cheia de nuances. Boyle consegue transmitir a complexidade de um personagem que, apesar de seu complexo de superioridade e impetuosidade, carrega o fardo de um segredo (sua homossexualidade) que, na sociedade da época, poderia destruí-lo. A atuação de Boyle é um dos pilares da série, mostrando a luta interna de Arthur entre o dever e o desejo pessoal.
Ao lado dele, Louis Partridge como Edward Guinness oferece um contraponto intrigante. Edward, o irmão mais novo e ambicioso, é retratado por Partridge com uma determinação pragmática, mas também com um idealismo latente. A performance de Partridge capta a essência de um jovem que, embora profundamente conectado ao negócio da família, pode ter seu pragmatismo desafiado pelas duras realidades do mundo comercial. A dinâmica entre Arthur e Edward, com suas visões contrastantes para o futuro da cervejaria, é um dos pontos altos da série, e a química entre Boyle e Partridge é palpável.
Emily Fairn, no papel de Anne Guinness, é uma força silenciosa, mas poderosa. Sua Anne é fisicamente frágil, mas moralmente inabalável, uma mulher à frente de seu tempo que se recusa a ser definida pelas expectativas sociais. Fairn entrega uma atuação comovente, retratando a frustração de Anne com seu casamento e sua busca por propósito, culminando em uma determinação em usar a riqueza da família para fazer a diferença social. Sua performance é elogiada por sua inteligência e coração, adicionando uma camada de profundidade emocional à trama.
Não se pode ignorar a presença magnética de James Norton como Sean Rafferty. Embora não seja um membro da família Guinness, Rafferty é uma figura central, um gerente da cervejaria cuja violência e astúcia o tornam um personagem inesquecível. Norton infunde Rafferty com uma intensidade quase selvagem, um “punk fumegante” que opera fora das regras, mas que é fundamental para a sobrevivência do império. Sua atuação é carismática e perigosa, adicionando uma dose de adrenalina e imprevisibilidade à série. A forma como ele se impõe, com uma aura de poder e ameaça, é um dos grandes acertos do elenco.
O restante do elenco, incluindo Fionn O’Shea como Benjamin Jr, que retrata a queda de um herdeiro para o vício, e outros personagens que povoam a Dublin da época, contribui para a riqueza do universo da série. As atuações, em geral, são consistentes e convincentes, conseguindo dar vida a um período histórico complexo e a uma família cheia de segredos e ambições. A profundidade emocional e a credibilidade que os atores trazem aos seus papéis são inegáveis, tornando os personagens, mesmo com suas falhas, incrivelmente humanos e cativantes.
Contexto Temático: Poder, Moralidade e a Dança entre Épocas

House of Guinness é mais do que um drama familiar; é um estudo aprofundado sobre temas universais que ressoam através do tempo. No cerne da narrativa, encontramos a incessante busca por poder. A morte de Sir Benjamin Guinness não apenas abre uma lacuna na liderança da cervejaria, mas também desencadeia uma batalha velada entre seus herdeiros pelo controle do vasto império. Cada personagem, à sua maneira, anseia por uma fatia desse poder, seja para manter o status quo, para inovar ou para subverter as estruturas existentes. A série explora como o poder corrompe, mas também como ele pode ser uma ferramenta para a mudança, dependendo das mãos que o empunham.
A moralidade é outro pilar temático. Em uma sociedade vitoriana rigidamente estratificada, as escolhas morais dos personagens são constantemente postas à prova. Arthur, com seu segredo, enfrenta o dilema de viver uma vida autêntica em um mundo que o condenaria. Anne, por sua vez, luta contra as restrições impostas às mulheres de sua época, buscando um propósito moral que transcenda as expectativas sociais. A série não oferece respostas fáceis, mas sim um retrato complexo de indivíduos navegando por um labirinto de convenções sociais e desejos pessoais, onde a linha entre o certo e o errado é frequentemente turva.
O conflito entre tradição e modernidade é palpável em cada episódio. A cervejaria Guinness, um símbolo de tradição e legado, é o palco onde essa batalha se desenrola. Edward, o visionário, busca expandir o império para novos mercados, abraçando a modernidade e a inovação. Arthur, por outro lado, parece mais preso às convenções e ao estilo de vida aristocrático, relutante em sujar as mãos com o trabalho braçal da cervejaria. Essa tensão é espelhada no contexto social mais amplo da Irlanda, que, após a devastação da fome da batata, anseia por uma nova identidade, debatendo-se entre a lealdade ao passado e a promessa de um futuro diferente. A série habilmente tece esses fios temáticos, criando um tapete rico e complexo que reflete as grandes transformações sociais e culturais da época.
Direção e Fotografia: A Estética de um Império

A direção de House of Guinness, sob a batuta de Steven Knight e sua equipe, é um dos pontos mais fortes da produção, conferindo à série uma identidade visual e atmosférica marcante. A experiência de Knight em Peaky Blinders é evidente na forma como a narrativa é conduzida, com um ritmo que, nos momentos iniciais, é envolvente e dinâmico. A escolha de locações e a reconstituição de época são impecáveis, transportando o espectador para a Dublin de 1868 com uma autenticidade notável. A direção é hábil em criar cenas de grande impacto visual, seja nos tumultos das ruas ou nos salões opulentos da família Guinness.
A fotografia, por sua vez, é deslumbrante. As imagens são ricas em detalhes e cores, capturando a grandiosidade da cervejaria e a beleza sombria da paisagem irlandesa. Há um uso inteligente da luz e da sombra que não apenas realça a estética visual, mas também contribui para a atmosfera dramática da série. Os close-ups nos rostos dos personagens revelam suas emoções mais íntimas, enquanto os planos abertos contextualizam a escala do império Guinness e o cenário social da época. A paleta de cores, muitas vezes sóbria e terrosa, reflete o tom sério da trama, mas é pontuada por momentos de brilho e vivacidade, especialmente nas cenas que envolvem a efervescência da cidade ou os momentos de paixão dos personagens.
Um aspecto que merece destaque é a trilha sonora, que, embora não seja diretamente parte da fotografia ou direção, complementa a estética visual de forma poderosa. A inclusão de músicas contemporâneas, embora possa ser um ponto de discórdia para alguns puristas do drama de época, funciona como um elemento estilístico que confere à série uma energia moderna e um senso de urgência, reminiscentes de Peaky Blinders. Essa fusão de elementos visuais clássicos com uma abordagem sonora arrojada cria uma experiência imersiva e única, que, mesmo com as oscilações narrativas, mantém o espectador engajado na jornada da família Guinness.
Um Brinde ao Drama Imperfeito
House of Guinness é, em sua essência, um drama ambicioso que se propõe a desvendar as complexidades de uma das famílias mais icônicas da história, em um período de profundas transformações sociais e políticas. Embora a série brilhe intensamente em seus primeiros episódios, com uma narrativa envolvente, atuações impecáveis e uma estética visual deslumbrante, ela tropeça em sua própria grandiosidade ao longo da temporada. A tentativa de abraçar um leque muito amplo de subtramas e personagens, sem a devida concisão, acaba por diluir o impacto de sua premissa original.
No entanto, seria injusto descartar House of Guinness por suas imperfeições. O elenco, com destaque para Anthony Boyle, Louis Partridge, Emily Fairn e o magnético James Norton, entrega performances que são, por si só, um motivo para assistir. A série é um convite à reflexão sobre temas atemporais como poder, moralidade, e o eterno embate entre tradição e modernidade, tudo isso ambientado em uma Dublin do século XIX ricamente recriada. A direção e a fotografia, aliadas a uma trilha sonora audaciosa, criam uma experiência imersiva que, mesmo nos momentos de menor brilho narrativo, consegue manter o espectador conectado.
Em suma, House of Guinness é um brinde ao drama histórico com alma, que, apesar de não atingir a perfeição, oferece uma jornada cativante e instigante. É uma série que, como a própria cerveja Guinness, pode ter um sabor inicial forte e complexo, mas que, ao final, deixa uma marca duradoura.
Nota IMDb: 7.4/10
E aí, O que achou do Review? Já assistiu House of Guinness? Compartilhe nos comentários!
