Éden (2025): O Pior Filme de Ron Howard é Um Paraíso Perdido de Tédio

É preciso coragem para declarar que um filme de Ron Howard, um cineasta com clássicos como Apollo 13, Uma Mente Brilhante e Rush no currículo, é o pior de sua “franquia” (entendida aqui como sua vasta e geralmente competente filmografia). No entanto, Éden (2025) não apenas justifica essa afirmação, mas a exige com uma frieza quase clínica. O filme, baseado na chocante história real de um grupo de europeus que tentou fundar uma utopia na inóspita Ilha Floreana, em Galápagos, na década de 1930, tinha todos os ingredientes para ser um estudo de personagem intenso, claustrofóbico e moralmente complexo. O que recebemos, contudo, é uma narrativa arrastada, previsível e, surpreendentemente, desapaixonada, que se perde na beleza estética de seu próprio cenário.

A premissa é, por si só, um ímã dramático: indivíduos desiludidos com a civilização moderna – o casal alemão de intelectuais naturalistas, a Baronesa austríaca excêntrica e seus amantes, e a família Wittmer, que buscava uma vida mais simples – se isolam em um ambiente hostil. A promessa era de que a natureza selvagem revelaria a verdadeira essência humana, desnudando a hipocrisia social. Mas a execução de Howard transforma essa revelação em um sussurro monótono, abafado pela grandiosidade de um cenário que merecia um drama mais visceral e menos contemplativo. A expectativa de um thriller de sobrevivência psicológico é frustrada por um ritmo lento que confunde introspecção com inércia narrativa.


A Virtude Enganosa e os Defeitos Incontornáveis da Produção

Éden

O filme possui uma única e inegável virtude que o impede de ser um desastre total: o elenco. É um desfile de talentos de primeira linha que, com seu esforço hercúleo, tentam injetar vida em um roteiro anêmico e em personagens mal desenvolvidos. Jude Law, como o Dr. Friedrich Ritter, e Vanessa Kirby, como sua parceira Dore Strauch, entregam performances de dedicação física notável, emagrecendo e se submetendo a condições de filmagem que parecem replicar o isolamento. Law, em particular, consegue transmitir a rigidez dogmática de um idealista que se desfaz sob a pressão do isolamento e da doença, com um olhar que oscila entre a convicção e o desespero.

Entretanto, as virtudes da atuação são catastroficamente ofuscadas pelos defeitos da narrativa e da produção. O roteiro, assinado por Noah Pink e o próprio Howard, falha miseravelmente em construir a tensão crescente que o ambiente exige. A rivalidade entre os colonos, que deveria ser o motor do drama, é apresentada de forma episódica e superficial, quase como notas de rodapé de um diário mal escrito. A Baronesa, interpretada por Ana de Armas, é o maior exemplo de um potencial desperdiçado. A figura histórica, envolta em mistério e escândalo, é reduzida a um estereótipo de sedução e caos, uma femme fatale unidimensional que serve apenas como catalisador externo, e não como uma força dramática interna. Seu magnetismo, que deveria ser palpável e perigoso, é apenas sugerido, nunca plenamente realizado.

Um exemplo específico da falha narrativa reside na introdução tardia e apressada dos conflitos mais graves, como o sumiço de alguns personagens. O mistério, que na vida real é o ponto central da história e o ápice do terror psicológico, é tratado com uma frieza quase documental, sem o peso emocional necessário para engajar o espectador. A sensação é de que Howard está mais interessado em registrar os fatos do que em explorar as profundezas da loucura que eles geraram.

A produção, embora visualmente deslumbrante, peca por excesso de polimento. A fotografia, embora tecnicamente impecável, com seus takes aéreos exuberantes de Galápagos, ironicamente serve para distanciar, em vez de imergir. O paraíso é lindo, mas o drama humano é invisível. A trilha sonora de Hans Zimmer, geralmente um ponto forte, aqui soa genérica, um acompanhamento épico para uma história que pedia algo mais íntimo e perturbador. O filme gasta tempo demais em planos abertos que celebram a paisagem e tempo de menos em close-ups que revelam a deterioração da alma.


O Peso Morto do Elenco: Análise de Personagens

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A força do filme reside na promessa de ver esses titãs da atuação se digladiando, mas a direção de Howard os transforma em peões de um jogo sem emoção, onde o roteiro não lhes oferece ar para respirar.

O peso do elenco, embora notável, é a maior vítima do roteiro. Jude Law (Dr. Friedrich Ritter) entrega uma performance consistente, capturando a arrogância filosófica e o declínio físico do idealista que se desintegra. Seu olhar oscila entre a convicção e o desespero, mas seu arco é apressado, e sua morte, que deveria ser um momento de grande peso, é tratada com um distanciamento frustrante. Ao seu lado, Vanessa Kirby (Dore Strauch) oferece a atuação mais complexa e dolorosa, transmitindo o sofrimento silencioso da mulher que vê seu ideal e seu parceiro ruírem. É ela quem mais se aproxima da complexidade exigida pela história. O maior desperdício, no entanto, é Ana de Armas (Baronesa Eloise Bosquet). Sua Baronesa, figura histórica de mistério e magnetismo, é reduzida a um mero arquétipo de femme fatale unidimensional. O filme falha em explorar a complexa teia de manipulação e carisma que a figura real possuía, limitando-se a flashes de sensualidade e instabilidade. Por fim, Daniel Brühl (Heinz Wittmer) e Sydney Sweeney (Margret Wittmer) são relegados a coadjuvantes que representam a “normalidade” ameaçada. Brühl é competente, e Sweeney, como a mãe estoica e prática, é a verdadeira sobrevivente, mas o filme não lhes dá espaço para explorar as nuances do trauma e da resiliência, funcionando apenas como observadores estoicos do caos alheio. O drama é contado, não vivido (a única exceção é a cena de nascimento do filho do casal).

A direção de atores é, no mínimo, estranha. Em vez de permitir que a tensão se construa através de olhares e silêncios, Howard parece apressar as interações, resultando em diálogos que soam como exposições apressadas de conflitos, em vez de erupções orgânicas da convivência forçada. O drama é contado, não vivido.


O Contexto Temático: Da Utopia à Distopia Pessoal

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O tema central de Éden é a falência da utopia e a impossibilidade de fugir da natureza humana. Os colonos buscam um novo começo, longe da moralidade e das estruturas sociais que consideram corruptas. Eles querem criar um paraíso, um Éden, mas rapidamente descobrem que o verdadeiro inferno está dentro deles.

O filme tangencia temas profundos como tradição vs. modernidade, moralidade e o poder destrutivo do ego. O Dr. Ritter representa a rejeição radical da tradição e da medicina, buscando uma vida puramente racional e naturalista, um idealismo que se torna sua ruína. A Baronesa, por outro lado, é a modernidade levada ao extremo: hedonismo, liberdade sexual e desprezo pelas regras. O conflito entre esses dois polos – o ascetismo filosófico de Ritter e o caos dionisíaco da Baronesa – é o mais promissor do filme. Mas Howard o trata com luvas de pelica, nunca mergulhando de fato na sujeira moral que a história real sugere. O filme se contenta em arranhar a superfície da luta de classes e do choque de culturas, sem aprofundar as feridas.

A mensagem subliminar da aceitação da morte, que permeia a história real e é sutilmente introduzida no final, é o ponto mais interessante e, ironicamente, o mais mal explorado. A ideia de que a busca pelo paraíso é, na verdade, uma lenta e inevitável marcha para a desilusão e o fim, é poderosa. A ilha não é um refúgio, mas um purgatório onde os personagens são forçados a confrontar sua mortalidade e a futilidade de suas ambições. A morte, ou a aceitação dela, é o único caminho para o silêncio e a paz que buscavam. É uma ideia brilhante, mas que se perde na execução morna e na direção hesitante de Ron Howard, que parece temer o peso existencial de sua própria história.


A Decepção Final e a Síntese Crítica

O clímax de Éden se resume a uma série de eventos que, ao invés de chocar, apenas confirmam a falta de pulso da narrativa. A forma como os mistérios são “resolvidos” ou, mais precisamente, abandonados, deixa um gosto amargo de oportunidade perdida. A ausência de uma catarse emocional é o maior erro do filme.

O final do filme, que deveria ser o ápice da tragédia e do terror psicológico, é anticlimático. A família sobrevivente que se depara com a aceitação de sua nova e solitária realidade, deveria nos transmitir a paz sombria de quem compreendeu a futilidade da luta contra a própria natureza. Em vez disso, a cena final parece mais um encerramento burocrático, uma nota histórica, do que uma epifania filosófica. A câmera se afasta, mas o espectador permanece distante.


O Éden Que Nunca Floresceu

Éden (2025) é um filme que será lembrado não por sua excelência, mas por sua decepção. É o tipo de produção que prova que um elenco estelar e uma história real fascinante não são suficientes para garantir um bom filme. Ron Howard, desta vez, falhou em transformar o material bruto em ouro dramático, entregando uma obra que é, ironicamente, tão árida e vazia quanto a ilha que deveria ser seu cenário. É um paraíso perdido, não para os personagens, mas para o espectador.

Nota IMDb: 6.4/10

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