Em um cenário cinematográfico saturado de reinterpretações e reciclagens de clássicos, Luc Besson ousa mergulhar novamente nas profundezas do mito de Drácula, apresentando Drácula: Uma História de Amor Eterno (2025). Longe de ser apenas mais uma mordida na jugular de Bram Stoker, este filme se propõe a ser uma ode ao romance gótico, um lamento melancólico sobre a perda e a busca incessante por um amor que transcende a própria imortalidade. Besson, conhecido por sua estética visual marcante e narrativas que flertam com o onírico, entrega uma obra que, embora não seja isenta de tropeços, oferece uma perspectiva singular e visceral sobre o vampiro mais famoso da literatura. É uma jornada que nos convida a questionar o que realmente significa amar eternamente, e se a maldição da vida sem fim pode, de fato, ser redimida pela chama inextinguível da paixão.
Elenco e Atuações: A Alma Gótica do Filme

O coração pulsante de Drácula: Uma História de Amor Eterno reside, sem dúvida, em seu elenco, que entrega performances que variam do sublime ao, por vezes, questionável. Caleb Landry Jones assume o papel do Príncipe Vlad/Drácula, e sua interpretação é um dos pilares da visão de Besson. Longe do galã sedutor e imponente que muitas adaptações nos acostumaram, o Drácula de Jones é uma figura atormentada, quase frágil em sua imortalidade. Suas expressões faciais, por vezes beirando o caricato, transmitem a dor e o desespero de séculos de solidão e busca. Há momentos em que sua intensidade é cativante, como nas cenas de sua transformação e nos vislumbres de sua vida antes da maldição, onde a paixão por Elisabeta é palpável. No entanto, em outros instantes, a excentricidade de sua atuação pode afastar o espectador, tornando o personagem menos acessível e mais uma abstração da dor. É uma performance corajosa, que arrisca e, por isso, divide opiniões, mas que inegavelmente deixa sua marca.
Zoë Bleu Sidel encarna o duplo papel de Elisabeta e Mina, e sua presença é etérea e fundamental para a narrativa. Como Elisabeta, ela é a personificação da pureza e do amor que Vlad perdeu, e sua química com Jones, embora breve, é convincente. Como Mina, ela traz uma inocência e uma curiosidade que a tornam um alvo perfeito para o Drácula, mas também uma figura com potencial para desafiar sua existência. Sidel consegue transitar entre a fragilidade e uma força latente, essencial para o desfecho da trama. Sua atuação é mais contida que a de Jones, servindo como um contraponto necessário à intensidade do protagonista.
O grande destaque, e talvez a âncora de sanidade em meio à paixão avassaladora, é Christoph Waltz como o Sacerdote. Sua figura, que remete a um Van Helsing não-oficial, é um deleite. Waltz, com sua habitual maestria, constrói um personagem que é ao mesmo tempo cético e profundamente religioso, pragmático e com um senso de humor sutilmente ácido. Suas interações com Drácula são repletas de tensão e diálogos afiados, e ele consegue roubar a cena com sua presença imponente e sua capacidade de transmitir camadas de significado com um simples olhar. É uma atuação que eleva o nível do filme, trazendo um contraponto intelectual e moral à paixão desenfreada do vampiro. Sua figura é a representação da tradição e da fé, em contraste com a modernidade e a busca por um amor que desafia as leis divinas.
Matilda De Angelis como Maria, amiga de Mina, oferece um alívio cômico e uma perspectiva mais mundana à história. Sua personagem, embora secundária, é importante para ancorar a narrativa na realidade da Belle Époque parisiense, servindo como um espelho para a inocência de Mina e o contraste com o mundo sombrio de Drácula. O restante do elenco de apoio cumpre bem seus papéis, contribuindo para a atmosfera gótica e romântica que Besson busca criar.
A Narrativa: Entre o Amor e a Exaustão

A narrativa de Drácula: Uma História de Amor Eterno é, em sua essência, uma releitura do clássico de Bram Stoker, mas com uma ênfase quase que exclusiva no aspecto romântico e na busca incessante de Drácula por sua amada Elisabeta. Luc Besson opta por uma abordagem menos focada no horror e mais na melancolia e no desespero de um ser imortal condenado a vagar pelos séculos em busca de um amor perdido. A história começa no século XV, com a trágica perda de Elisabeta e a subsequente renúncia de Vlad a Deus, que o transforma no vampiro que conhecemos. A transição para a Londres do século XIX, e mais especificamente para a Paris da Belle Époque, é um dos pontos de virada da trama, onde Drácula acredita reencontrar Elisabeta em Mina.
Uma das virtudes da narrativa é a forma como Besson explora a profundidade do sofrimento de Drácula. A dor da perda e a solidão de séculos são palpáveis, e a busca por Mina não é apenas uma obsessão, mas uma tentativa desesperada de redenção. O filme consegue transmitir a ideia de que a imortalidade, sem o amor, é uma maldição insuportável. A decisão de focar no romance, em vez do terror, permite uma exploração mais íntima dos personagens e de suas motivações, diferenciando-o de outras adaptações que priorizam o horror gótico ou a ação.
No entanto, essa mesma virtude pode se tornar um defeito. A ênfase excessiva no romance, por vezes, dilui a tensão e o suspense que são inerentes à história de Drácula. O vampiro, em alguns momentos, parece mais um amante incompreendido do que uma criatura da noite temida. A falta de um antagonista forte, além do Sacerdote de Waltz, que é mais um contraponto filosófico do que uma ameaça física, faz com que a narrativa perca um pouco de seu ímpeto. Além disso, a estrutura não linear, com saltos temporais, embora interessante, pode, em certos momentos, quebrar o ritmo e a imersão do espectador. A repetição do tema da busca por Elisabeta, embora central, pode levar a uma certa exaustão narrativa, especialmente para aqueles que esperam uma trama mais dinâmica e cheia de reviravoltas. O filme se arrasta em alguns pontos, e a falta de um clímax mais impactante pode deixar o público com a sensação de que algo ficou faltando. A complexidade psicológica de Drácula é bem explorada, mas a falta de um desenvolvimento mais aprofundado dos personagens secundários, como Jonathan Harker, que aparece brevemente, é uma oportunidade perdida.
Direção e Fotografia: A Estética da Melancolia

A direção de Luc Besson em Drácula: Uma História de Amor Eterno é, como esperado, visualmente deslumbrante. Besson, com seu estilo inconfundível, cria um universo gótico e romântico que é ao mesmo tempo grandioso e íntimo. A fotografia de Colin Wandersman é um dos pontos altos do filme, com uma paleta de cores que varia entre tons sombrios e melancólicos, e explosões de cores vibrantes que pontuam os momentos de paixão e desespero. As cenas na Transilvânia são repletas de uma atmosfera opressora e mística, enquanto a Paris da Belle Époque é retratada com um glamour decadente, que serve como pano de fundo para a busca de Drácula.
Besson utiliza a câmera de forma poética, com planos que realçam a solidão dos personagens e a grandiosidade dos cenários. Há um cuidado notável na composição de cada quadro, transformando o filme em uma verdadeira obra de arte visual. A iluminação é utilizada de forma magistral para criar contrastes e sombras, acentuando o drama e a melancolia da história. Por exemplo, as cenas no castelo de Drácula são banhadas por uma luz difusa e fria, que reflete o isolamento e a escuridão de sua existência, enquanto os momentos de reencontro com Mina são iluminados por uma luz mais quente e esperançosa.
No entanto, a estética visual, por vezes, parece sobrepor-se à narrativa. Em alguns momentos, a beleza das imagens é tão intensa que pode desviar a atenção do espectador da profundidade emocional da história. A direção de arte de Hugues Tissandier e os figurinos de Corinne Bruand são impecáveis, contribuindo para a imersão no universo do filme. Os detalhes dos cenários e das vestimentas são ricos e autênticos, transportando o público para as diferentes épocas retratadas. A trilha sonora de Danny Elfman é outro elemento crucial, com composições que evocam o romantismo gótico e a tensão inerente à história de Drácula. A música complementa perfeitamente as imagens, amplificando as emoções e criando uma atmosfera envolvente. No entanto, em alguns momentos, a trilha sonora pode soar um tanto genérica, não atingindo o mesmo nível de originalidade e impacto de outras obras de Elfman. Apesar desses pequenos deslizes, a direção e a fotografia são, sem dúvida, os elementos que mais se destacam em Drácula: Uma História de Amor Eterno, elevando a experiência cinematográfica a um patamar de excelência visual.
Contexto Temático: O Amor como Maldição e Redenção

Drácula: Uma História de Amor Eterno transcende a mera história de vampiros para mergulhar em temas profundos e atemporais, como poder, moralidade, e o embate entre tradição e modernidade. A figura de Drácula, aqui, é menos um monstro e mais um símbolo da transgressão e suas consequências. Sua renúncia a Deus após a perda de Elisabeta não é apenas um ato de desespero, mas uma quebra com a tradição religiosa e moral de sua época, que o condena a uma existência amaldiçoada. Essa maldição, a imortalidade, é paradoxalmente sua maior força e sua maior fraqueza, um poder que o isola e o condena à solidão.
O filme explora a moralidade de suas ações, questionando se a busca incessante por um amor perdido justifica os meios. Drácula, em sua jornada, não busca apenas a reunião com Elisabeta, mas uma forma de redenção para sua alma atormentada. A dicotomia entre o bem e o mal é constantemente presente, não de forma maniqueísta, mas através das escolhas e do sofrimento dos personagens. O Sacerdote de Christoph Waltz, por exemplo, representa a moralidade tradicional e a fé inabalável, servindo como um esponto de contraste para a figura de Drácula, que desafia essas convenções em nome de um amor que ele considera eterno.
A tensão entre tradição e modernidade é sutilmente tecida na narrativa. A Transilvânia do século XV, com suas crenças e rituais, contrasta com a efervescente Paris da Belle Époque, um centro de inovação e liberdade. Drácula, uma criatura de um tempo passado, se vê deslocado em um mundo em constante mudança, onde suas antigas formas de sedução e dominação parecem obsoletas. Essa desadaptação é um dos aspectos mais interessantes do filme, mostrando como o personagem, apesar de sua imortalidade, é afetado pelas transformações sociais e culturais. A busca por Mina em Paris é, de certa forma, uma tentativa de Drácula de se reconectar com um passado que ele se recusa a abandonar, mas também de encontrar um lugar em um futuro que o repele. O filme, portanto, não é apenas uma história de amor, mas uma reflexão sobre a natureza da existência, da fé e da busca por significado em um mundo em constante evolução.
O Legado de um Amor Imortal: Uma Conclusão Sanguínea
Drácula: Uma História de Amor Eterno é, em última análise, um filme que se propõe a ser mais do que uma simples adaptação do clássico de Bram Stoker. Luc Besson, com sua visão autoral, entrega uma obra que, embora imperfeita, é corajosa em sua abordagem. Ao focar no romance e na melancolia do Drácula, o filme oferece uma perspectiva fresca e, por vezes, comovente sobre o vampiro. As atuações, especialmente a de Caleb Landry Jones em sua intensidade e a de Christoph Waltz em sua maestria, são pontos altos que elevam a experiência. A direção de arte, a fotografia e a trilha sonora contribuem para criar uma atmosfera visual e sonora rica, que transporta o espectador para o universo gótico e romântico da história.
No entanto, a ênfase excessiva no romance pode afastar aqueles que buscam o terror e o suspense característicos do mito de Drácula. A narrativa, por vezes, se arrasta, e a falta de um antagonista mais presente pode diminuir o impacto dramático. Apesar disso, o filme é um convite à reflexão sobre o amor, a perda, a moralidade e a busca por redenção. É uma obra que, mesmo com seus defeitos, consegue deixar uma marca, provocando o espectador a questionar a natureza da imortalidade e o poder transformador do amor. Drácula: Uma História de Amor Eterno é, portanto, uma experiência cinematográfica que vale a pena ser apreciada por aqueles que buscam uma releitura mais introspectiva e romântica do icônico vampiro, um filme que, assim como seu protagonista, busca um amor que desafia o tempo e a própria morte.
Nota IMDb: 6.5/10
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