Como um Relâmpago (Death by Lightning) é uma minissérie histórica que disseca a ascensão e a queda do 20º presidente dos EUA, James Garfield, e a mente perturbada de seu assassino, Charles Guiteau, revelando um espelho sombrio para a polarização política contemporânea.
O Relâmpago que Nunca Deixou de Cair: Poder, Fanatismo e a Fragilidade da Democracia
A minissérie da Netflix, Como um Relâmpago, transcende a mera reconstituição histórica para se firmar como um comentário pungente sobre a natureza do poder, a moralidade na política e o perigoso abismo entre a ambição e a sanidade. Baseada no aclamado livro de Candice Millard, Destiny of the Republic, a produção, criada por Mike Makowsky e que conta com a chancela na produção executiva dos showrunners de Game of Thrones, David Benioff e D.B. Weiss, , foca no breve e trágico mandato de James Garfield, o 20º presidente dos Estados Unidos, e o fanatismo delirante de Charles Guiteau, o homem que o matou.
A narrativa se desdobra em um ritmo calculado, alternando entre a ascensão improvável de Garfield e a espiral descendente de Guiteau. O que poderia ser um drama político seco ganha vida pela forma como a série estabelece um contexto temático de corrupção sistêmica e o conflito eterno entre o idealismo e o pragmatismo. Garfield, um herói da Guerra Civil e congressista, é retratado como um homem relutante ao poder, quase acidentalmente catapultado à presidência em meio a um impasse na Convenção Republicana de 1880. Seu breve tempo no cargo é marcado por uma luta para reformar o sistema de patronagem, o “spoils system”, que era a espinha dorsal da política americana da época. Este é o cerne da tragédia: um homem que tenta limpar a sujeira é atingido por um raio de insanidade.
A série é particularmente eficaz ao usar a história de Garfield para debater a tradição versus modernidade. Sua visão progressista, especialmente em relação aos direitos civis e à meritocracia, colide violentamente com a velha guarda política, personificada pelo Senador Roscoe Conkling. O assassinato, portanto, não é apenas um ato isolado de loucura, mas o sintoma de um corpo político doente, incapaz de aceitar a mudança.
Elenco e Atuações: O Duelo de Titãs
O grande trunfo de Como um Relâmpago reside no seu elenco estelar, que entrega performances de uma intensidade e nuance raras. O contraste entre os dois protagonistas é o motor dramático da série, e os atores escalados executam esse duelo com maestria.
Michael Shannon como James Garfield é a personificação da integridade e da relutância. Shannon confere a Garfield uma gravidade silenciosa, um peso moral que o torna imediatamente simpático. Sua atuação é sutil, focada na dignidade e na luta interna de um homem que preferia a vida acadêmica e familiar à arena política. A virtude de sua performance está em humanizar o “presidente esquecido”, transformando-o em um mártir da reforma.
No polo oposto, temos Matthew Macfadyen como Charles Guiteau. Macfadyen, conhecido por papéis de contenção, aqui se liberta em uma performance de tirar o fôlego, beirando o grotesco sem nunca cair na caricatura. Guiteau é um parasita social, um fanático religioso e um narcisista delirante que se convence de ter sido o instrumento divino para a eleição de Garfield. A virtude da atuação de Macfadyen é a forma como ele equilibra a comédia involuntária da megalomania de Guiteau com a ameaça real de sua instabilidade mental. Ele nos força a olhar para a loucura não como um monstro de filme, mas como um homem pateticamente real, produto de uma sociedade que o ignorou.
O elenco de apoio é igualmente forte. Betty Gilpin como Lucretia “Crete” Garfield oferece um contraponto essencial. Sua Crete é uma primeira-dama de inteligência afiada e força inabalável, que serve como a âncora moral e emocional de Garfield. A química entre Shannon e Gilpin é palpável, e os momentos de intimidade do casal são um refúgio bem-vindo da sordidez política. Outro destaque é Shea Whigham como o Senador Roscoe Conkling, que encarna a arrogância e a obstinação do poder estabelecido com uma presença imponente.
Direção e Fotografia: A Sombra da História
A produção de Como um Relâmpago é impecável, recriando a América pós-Guerra Civil com um detalhismo que eleva a série acima de um mero telefilme histórico. A direção de Matt Ross é precisa, utilizando uma paleta de cores escuras e tons terrosos que sublinham a seriedade e a sujeira da época. A fotografia é um ponto alto, com o uso de luz natural e sombras profundas que acentuam o clima de conspiração e a crescente paranoia de Guiteau.
A série se beneficia de uma montagem que intercala as vidas dos dois homens, criando uma tensão inevitável. No entanto, a narrativa apresenta um defeito notável: a insistência em passar tempo excessivo com Guiteau. Embora a performance de Macfadyen seja brilhante, a série por vezes se arrasta ao detalhar a mania e as tentativas fracassadas de Guiteau de se inserir na administração. A crítica de que “quatro episódios parecem excessivos” é justa, pois o foco no fanatismo, embora tematicamente relevante, rouba tempo que poderia ter sido dedicado a aprofundar as reformas de Garfield ou o drama político de seu gabinete. O ritmo, em certos momentos, é mais um estudo de personagem do que um thriller político, o que pode testar a paciência do espectador acostumado a narrativas mais aceleradas.
Um exemplo específico da virtude da produção é a recriação da cena do assassinato na estação de trem, que é tratada com uma sobriedade chocante, contrastando com o caos médico que se seguiu. O defeito mais evidente na narrativa é a forma como a série trata a doença de Guiteau. Embora o roteiro sugira sua instabilidade mental, a longa e repetitiva jornada de Guiteau em busca de um cargo ministerial, forjando documentos e invadindo edifícios, torna-se um tanto enfadonha, diminuindo o impacto do clímax.
Um Espelho para a América
Como um Relâmpago é mais do que a história de um assassinato; é uma meditação sobre a fragilidade da liderança e o custo da decência em um mundo de lobos. A série nos lembra que a história não é feita apenas de grandes homens, mas também dos pequenos, dos esquecidos e dos mentalmente instáveis que, por um capricho do destino, podem alterar o curso de uma nação. A tragédia de Garfield não foi apenas a bala, mas a subsequente negligência médica e a perda de um futuro progressista.
A minissérie é um drama histórico sólido, lindamente atuado e tecnicamente competente, que cumpre a promessa de iluminar um capítulo esquecido da história americana. É um lembrete sombrio de que o fanatismo e a polarização não são fenômenos novos, mas sim ameaças perenes à república.
Nota IMDb: 7.8/10
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