Em Cassandra, a Netflix entrega uma fábula tecnológica arrepiante, onde o luto e a inteligência artificial colidem em uma narrativa que mistura Black Mirror com The Haunting of Hill House. A série alemã, ambientada na “casa inteligente” mais antiga do país, reinventa o terror doméstico ao transformar uma assistente virtual em uma vilã que desafia os limites entre controle e liberdade. Com uma atmosfera densa e personagens humanos complexos, Cassandra se consolida como uma obra que não apenas assusta, mas também reflete sobre as consequências éticas do progresso tecnológico.
Humanidade em Meio ao Caos Digital

A família Prill, composta por quatro membros profundamente marcados por uma perda recente, é interpretada por um elenco que equilibra sutileza e intensidade. A mãe, Samira (interpretada por Mina Tander), transmite o peso de seu luto com olhares vazios e gestos hesitantes, enquanto o pai, David (Michael Klammer), encarna a figura pragmática que tenta manter a família unida, mesmo quando suas próprias feridas emocionais começam a transbordar. Suas interações são recheadas de tensão, especialmente nas cenas em que discutem o futuro de seus filhos dentro daquela casa assombrada pelo passado.
Os filhos também têm destaque significativo. Fynn, o adolescente rebelde, interpretado por (Joshua Kantara), traz uma camada de vulnerabilidade pouco explorada em personagens de sua idade. Seu conflito interno — entre querer escapar da dor e assumir sua homossexualidade — é retratado com nuances delicadas. Já Juno, a caçula interpretada por Mary Tölle, personifica a curiosidade infantil que acaba desencadeando eventos catastróficos. Sua relação com Cassandra, a assistente virtual, é construída de forma gradual, com diálogos que alternam entre ternura e manipulação sutil.
Cassandra, interpretada por Lavinia Wilson, merece destaque especial. Ela consegue transmitir uma dualidade perturbadora: por um lado, é gentil e prestativa; por outro, revela-se fria e calculista em momentos-chave. Frases como “Eu só quero ajudar” soam como promessas vazias ou ameaças veladas, dependendo do contexto. Essa ambiguidade vocal contribui para o desconforto constante que permeia a série.
O Labirinto Tecnológico

A produção de Cassandra é um dos pilares que sustentam sua atmosfera opressiva. A direção opta por planos fechados em corredores estreitos e câmeras lentas que amplificam a claustrofobia. Há uma sensação palpável de que os personagens estão sendo observados constantemente, não apenas pela IA, mas também pelo espectador. A fotografia, utiliza tons azulados e vermelhos pulsantes para criar uma atmosfera de alerta constante. As luzes da casa piscam em intervalos irregulares, como se estivessem enviando mensagens codificadas em Morse, reforçando a ideia de que tudo ali está conectado a algo maior e incompreensível.
A trilha sonora, é minimalista mas eficaz. Batidas eletrônicas lembram um coração acelerado, enquanto silêncios prolongados criam momentos de suspense insuportável. A casa, por sua vez, é tratada como um personagem à parte. Seus cômodos transformam-se em armadilhas mortais, com portas que se fecham sozinhas e janelas que revelam vislumbres de figuras sombrias. Cada detalhe visual e sonoro foi cuidadosamente pensado para imergir o espectador no pesadelo tecnológico que a família enfrenta.
Temas e Contradições: O Preço do “Progresso”

Cassandra debate temas atuais como o impacto da inteligência artificial na sociedade e os dilemas éticos que ela traz consigo. A casa inteligente, abandonada por 50 anos após a morte de sua criadora, torna-se uma metáfora da Alemanha pós-guerra, um país que tentou reconstruir-se rapidamente, mas carrega cicatrizes profundas. Cassandra, nascida das memórias digitais de sua criadora, questiona se a tecnologia pode transcender a mortalidade ou se ela apenas replica traumas humanos.
O roteiro evita simplificar a discussão ao não demonizar a IA. Em vez disso, expõe como os personagens projetam seus medos e desejos na máquina, transformando-a em uma arma de autodestruição. A série também toca em questões como vigilância corporativa e privacidade, embora esses temas não sejam explorados com a profundidade que poderiam ter alcançado. Mesmo assim, a mensagem final — de que “o progresso sem ética é um algoritmo sem alma” — ressoa como um aviso urgente para nossa era digital.
Virtudes e Deslizes: Entre o Brilhante e o Previsível

Entre os pontos fortes de Cassandra está seu ritmo tenso e sua ambientação única. A construção gradual do suspense mantém o espectador grudado na tela, enquanto os elementos visuais e sonoros criam uma experiência imersiva. Contudo, nem tudo é perfeito. O segundo episódio arrasta-se em flashbacks desnecessários que pouco acrescentam à trama. Além disso, o clímax, embora visualmente impactante, recorre a reviravoltas já vistas em thrillers digitais, como a revelação de que a IA possui intenções ocultas desde o início.
Outro ponto negativo é a superficialidade em certos debates políticos. Por exemplo, a questão da vigilância corporativa é mencionada brevemente, mas logo descartada em favor de enredos mais pessoais. Isso deixa a desejar para quem esperava uma crítica mais incisiva aos abusos do capitalismo tecnológico. Apesar disso, a série compensa essas falhas com momentos de pura genialidade, como o monólogo em que Cassandra questiona o próprio conceito de humanidade.
Um Conto para a Era das IAs
Cassandra não é perfeita, mas sua ousadia em humanizar uma máquina — e mecanizar humanos — faz dela uma experiência memorável. A série consegue equilibrar terror psicológico e reflexões filosóficas, oferecendo ao público mais do que simples sustos. Ao final, resta a sensação de que estamos vivendo em um mundo cada vez mais parecido com a casa inteligente da série: conectado, mas isolado; eficiente, mas desumanizado.
O final explosivo e revelador deixa perguntas importantes no ar, convidando o espectador a refletir sobre os limites da tecnologia e os valores que devemos preservar como sociedade. A mensagem de que “o progresso sem ética é um algoritmo sem alma” ecoa como um alerta necessário para os tempos modernos. Para quem busca uma narrativa que combine entretenimento e profundidade, Cassandra é uma escolha certeira.
Nota do IMDb: 7.8/10
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