Dirigido por Walter Salles, Ainda Estou Aqui é um filme que mergulha fundo no coração da história brasileira recente, trazendo à tona uma das páginas mais sombrias do país: o período da ditadura militar. Inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva sobre o desaparecimento de seu pai, Rubens Paiva, o longa-metragem narra a luta incansável de Eunice Paiva (interpretada por Fernanda Torres) para descobrir o paradeiro do marido após sua prisão e subsequente sumiço em 1971. O filme é um drama biográfico sensível e visceral, que combina elementos históricos com uma narrativa profundamente humana, explorando temas como perda, memória e resistência.
O elenco principal inclui nomes icônicos do cinema nacional, como Selton Mello, que interpreta Rubens Paiva, e Fernanda Montenegro, que dá vida à versão envelhecida de Eunice. Completam o time de atores talentosos Daniel Dantas, Dan Stulbach, Humberto Carrão e Valentina Herszage, cada um contribuindo com performances marcantes que ajudam a construir o universo emocional e político do filme. A direção de Walter Salles, conhecido por obras como Central do Brasil e Na Estrada, imprime ao projeto uma delicadeza que equilibra a brutalidade dos eventos retratados com a humanidade de seus personagens.
A História e Seus Personagens

Ainda Estou Aqui começa nos anos iniciais da década de 1970, quando o Brasil já estava sob o regime militar instaurado pelo golpe de 1964. Rubens Paiva, interpretado por Selton Mello, é um ex-deputado cassado que vive sob constante vigilância por suas ideias progressistas. Ele é preso durante uma operação policial arbitrária, acusado de atividades subversivas contra o governo. A partir desse momento, sua esposa, Eunice (Fernanda Torres), embarca em uma jornada dolorosa para encontrar respostas sobre o que aconteceu com ele.
Eunice é o coração pulsante do filme. Sua busca não é apenas física, mas também emocional e existencial. Ela enfrenta uma burocracia opressora, ameaças veladas e o silêncio ensurdecedor das autoridades. Fernanda Torres entrega uma atuação monumental, capturando com precisão a transformação de Eunice: de uma mulher ingênua e confiante na justiça do país a uma figura resiliente e determinada, disposta a desafiar o sistema mesmo às custas de sua própria segurança. Cada olhar, gesto ou hesitação de Torres transmite as camadas complexas de dor, raiva e esperança que definem sua personagem. É impossível não se emocionar com suas cenas mais íntimas, especialmente aquelas em que ela tenta explicar aos filhos pequenos o que está acontecendo com o pai.
Selton Mello, por sua vez, consegue imprimir profundidade ao papel de Rubens Paiva, mesmo tendo pouco tempo de tela. Ele aparece principalmente em flashbacks, mostrando o homem carismático e idealista que foi arrancado de sua família. Essas sequências são intercaladas com momentos de tensão, como a cena da prisão, que é filmada de forma a deixar o espectador desconfortável – exatamente como deveria ser. Já Fernanda Montenegro surge no terço final do filme, representando Eunice décadas depois, ainda carregando o peso do trauma. A atriz veterana entrega uma performance contida, mas extremamente poderosa, demonstrando como o passado nunca deixa de assombrar aqueles que sobrevivem.
Os personagens secundários também têm grande importância para a narrativa. Valentina Herszage interpreta uma das filhas adolescentes de Eunice, cuja inocência contrasta com a realidade cruel que a cerca. Seu arco dramático é tocante, refletindo o impacto que a violência política pode ter nas gerações mais jovens. Outros coadjuvantes, como Dan Stulbach e Humberto Carrão, acrescentam nuances ao enredo, representando figuras que oscilam entre solidariedade e covardia diante do regime.
Virtudes do Filme

Uma das maiores qualidades de Ainda Estou Aqui é sua capacidade de mesclar o pessoal com o político. Embora o contexto histórico seja inegavelmente central para a trama, o filme nunca perde de vista o aspecto humano da história. A direção de Walter Salles é cuidadosa e empática, evitando cair em didatismos ou julgamentos simplistas. Ele permite que os espectadores sintam a gravidade do que está acontecendo sem precisar martelar explicações excessivas. Isso cria uma experiência cinematográfica imersiva, onde o público se sente parte daquela época tumultuada.
A fotografia merece destaque especial. O uso de tons amarelados e saturados remete ao clima sufocante da ditadura, enquanto planos detalhados capturam a textura das ruas, casas e escritórios da época. A direção de arte e o figurino também são impecáveis, recriando com fidelidade o Brasil dos anos 1970. Tudo isso contribui para transportar o espectador para um período que muitos prefeririam esquecer, mas que precisa ser lembrado.
Outro ponto forte é a trilha sonora minimalista, composta por músicas que ecoam a melancolia e a urgência da narrativa. Canções da época, como Fora da Ordem de Caetano Veloso, surgem em momentos estratégicos, amplificando o impacto emocional das cenas. Além disso, o roteiro, embora denso, consegue evitar clichês óbvios, optando por abordagens mais sutis para lidar com temas difíceis como tortura e desaparecimento forçado.
Defeitos do Filme

Apesar de todos os seus méritos, Ainda Estou Aqui não está isento de defeitos. Um dos principais problemas é o ritmo irregular. Há momentos em que o filme se alonga demais em reflexões introspectivas, o que pode testar a paciência de espectadores menos envolvidos com o tema. Algumas cenas parecem repetitivas, reforçando pontos que já foram bem estabelecidos anteriormente.
Além disso, certas escolhas narrativas podem dividir opiniões. O uso frequente de flashbacks, embora eficaz em muitos casos, às vezes interrompe o fluxo natural da história. Alguns espectadores podem achar que essas inserções prejudicam o ritmo geral do filme, tornando-o menos fluido do que poderia ser. Outro aspecto questionável é a ausência de maior desenvolvimento para alguns personagens secundários. Figuras importantes, como amigos e aliados da família Paiva, recebem pouco espaço para crescer dentro da narrativa, o que limita o potencial de explorar múltiplas perspectivas sobre o mesmo evento.
Por fim, vale mencionar que o tom geral do filme pode ser considerado excessivamente sombrio por alguns. Embora isso faça sentido dada a natureza do tema, há quem possa achar que falta um contraponto mais otimista ou redentor. No entanto, essa escolha deliberada reflete a realidade vivida por milhares de famílias durante a ditadura, tornando-a tanto uma virtude quanto uma crítica dependendo do ponto de vista.
Conclusão
Ainda Estou Aqui é uma obra indispensável, que se firma como um marco histórico desde o seu lançamento. Ele não apenas conta a história de Eunice Paiva e sua luta incansável por justiça, mas também serve como um lembrete crucial de que o passado não deve ser esquecido. O trabalho de Walter Salles é uma obra-prima técnica e emocional, capaz de tocar corações e consciências. Entre todos os destaques do elenco, Fernanda Torres se sobressai como uma força da natureza, entregando uma atuação que será lembrada por muito tempo. Ela não apenas interpreta Eunice; ela a habita, transformando-se completamente para dar vida a uma mulher que representa milhares de outras vítimas invisíveis da ditadura.
Se existe alguma justiça no mundo do cinema, Fernanda Torres será a escolha da Academia para vencer o Oscar de Melhor Atriz. Sua performance em Ainda Estou Aqui é tão poderosa que transcende barreiras culturais e fala diretamente ao coração humano, merecendo reconhecimento global. Estaremos todos na torcida no dia 02 de março!
Nota IMDb: 8.7/10
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