Quando um filme como A Mão Que Balança o Berço (1992) se grava na memória coletiva, qualquer remake carrega o fardo da comparação. Infelizmente, a versão de 2025 dirigida por Michelle Garza Cervera, apesar de suas ambições, tropeça exatamente onde o original brilhou: na construção de uma vilã convincente e numa tensão psicológica genuína. Este não é meramente um filme ruim: é um filme desnecessário, que substitui a ferocidade gelada de Rebecca De Mornay por uma narrativa turbinada com traumas passados, mas vazia de perigo imediato. A experiência é semelhante a assistir a um suspense competente do streaming, que você esquece minutos após os créditos finais, ofuscado pela lembrança do que já foi feito de forma superior.
Análise da Narrativa: Onde a Tensão se Dissipa
O roteiro do remake comete um pecado capital do suspense: acreditar que toda motivação precisa ser meticulosamente explicada. Enquanto a Peyton de Rebecca De Mornay era movida por uma vingança pessoal, direta e compreensível, a destruição da mulher que ela culpava pela morte do marido e de seu filho por nascer, a Polly de Maika Monroe tem um passado traumático revelado através de flashbacks e exposição pesada. Descobrimos que Polly é, na verdade, Rebecca, a única sobrevivente de um incêndio que matou seus pais, um fogo supostamente causado pela própria protagonista, Caitlyn, quando adolescente. Essa mudança busca complexidade moral, mas paradoxalmente simplifica o conflito, transformando a história em uma simples conta de culpa a ser saldada, em vez de um jogo psicológico de gato e rato.
A tensão definha nesse excesso de explicações. No original, a audiência testemunhava Peyton orquestrando metodicamente a destruição da família Bartel. Suas manipulações, desde sabotar o jardim de Claire até incriminar o amigo da família, eram ativas, calculadas e progressivamente mais ousadas. Aqui, as táticas de Polly são mais difusas e, francamente, menos interessantes. Sua estratégia principal parece ser a substituição dos remédios de Caitlyn por metanfetamina esculpida em forma de comprimido, um plano não apenas logisticamente implausível, mas que transforma a protagonista em uma pessoa irritável e paranoica, afastando a empatia do público em vez de construir um temor real pela família.
Um Ritmo que Balança, mas Não Chega a Cair
A diretora Michelle Garza Cervera, vinda do aclamado horror Huesera, tenta imprimir um slow burn à narrativa. Há cuidado na construção atmosférica, mas o filme padece de um ritmo inconsistente. Cenas que tentam estabelecer um desconforto silencioso, como Polly observando a família à distância, são intercaladas com explosões de raiva de Caitlyn que, devido à manipulação química, parecem injustas e desconectadas, especialmente quando ela é agressiva com a própria filha. O clímax, que deveria ser a liberação catártica de toda a tensão acumulada, se resolve em uma sequência de confronto físico e um acidente de carro que, apesar de violento, soa genérico e pouco gratificante. O final tenta ser astuto ao mostrar a filha mais velha, Emma, imitando os maneirismos de Polly, sugerindo que o trauma deixou marcas. É um momento interessante, mas que chega tarde demais para resgatar uma narrativa que já desperdiçou seu potencial.
Elenco e Atuações: Boas Ferramentas, Personagens Mal Construídos
Maika Monroe como Polly / Rebecca: Frieza sem Perigo: Maika Monroe é uma atriz talentosa, com um histórico sólido em thrillers (Corrente do Mal). Ela entrega uma Polly fisionomicamente controlada, com um olhar vazio que esconde segredos. No entanto, a personagem que ela interpreta carece da duplicidade cativante e da ameaça ativa de Rebecca De Mornay. Enquanto Peyton Flanders era uma predadora social, infiltrando-se com charme e ferocidade, Polly é muitas vezes retratada como uma observadora passiva, um fantasma na casa. Monroe tenta transmitir malevolência através da quietude, mas o roteiro não lhe dá momentos icônicos equivalentes à cena em que De Mornay, com um sorriso gelado, diz a palavra “F” para uma criança ou sistematicamente desmonta a vida de Claire. Sua performance é competente, mas o personagem é escrito como uma vingativa danificada, não a força da natureza aterrorizante que a memória afetiva do público espera.
Mary Elizabeth Winstead como Caitlyn Morales: Uma Protagonista sem Ponto de Apoio: Mary Elizabeth Winstead, uma atriz usualmente carismática e capaz, luta contra as limitações de seu personagem. Caitlyn Morales é escrita como uma mulher já à beira do colapso, rígida, distante do marido e emocionalmente volátil, mesmo antes da interferência de Polly. Quando sua sanidade é deliberadamente sabotada, suas reações tornam-se tão exageradas que é difícil manter a simpatia por ela. A audiência se vê na posição desconfortável de não torcer genuinamente por ninguém. Em contraste, Annabella Sciorra no original interpretava uma Claire Bartel calorosa, prática e gradualmente desestabilizada. A jornada de Sciorra era da confiança para o terror isolado, o que criava uma ligação emocional poderosa com o público. Winstead é deixada à deriva por um roteiro que prefere mostrar uma mulher histérica em vez de uma vítima lúcida lutando para ser ouvida.
Elenco de Apoio: Personagens Subutilizados: Raúl Castillo, como Miguel, o marido, é relegado ao papel arquetípico do cônjuge cético. Sua função narrativa principal é duvidar da esposa e confiar na babá, até que as evidências se tornam irrefutáveis. É um personagem notavelmente menos proativo e solidário do que o marido do original, refletindo uma tentativa frustrada de atualizar dinâmicas que acaba por criar um vazio dramático. Martin Starr aparece brevemente como Stewart, um amigo que ajuda na investigação, mas seu personagem serve mais como um dispositivo de exposição do que uma presença significativa.
Direção e Produção: Estilo que Não Sustenta a Substância
Michelle Garza Cervera demonstra um olhar técnico competente. A cinematografia de Jo Willems é limpa e utiliza os espaços abertos e claros da casa moderna da família Morales para criar uma sensação de vulnerabilidade, o perigo está à vista, não escondido nas sombras. Há uma intenção clara de se afastar do visual mais “histerizado” dos thrillers dos anos 90, optando por uma estética mais contida e realista. No entanto, essa contenção acaba, por vezes, mascarando a falta de tensão real. A diretora consegue criar momentos pontuais de desconforto, mas a narrativa não sustenta uma atmosfera de suspense crescente e palpável.
A trilha sonora de Ariel Marx é sutil e eficaz em momentos-chave, mas o filme carece de uma identidade sonora marcante. No geral, a produção é polida e tem a qualidade técnica esperada de um filme de streaming de orçamento médio, mas falta ousadia e uma identidade visual ou narrativa verdadeiramente distintiva que justifique sua existência além do reconhecimento do título.
Contexto Temático: Trauma vs. Vingança
O remake tenta atualizar o filme para uma discussão contemporânea sobre trauma, saúde mental e as pressões da maternidade. A vilã não é mais uma sociopata por natureza, mas uma produto de um passado abusivo e do sistema de acolhimento. A protagonista, por sua vez, luta com a culpa de um ato traumático do passado e com as demandas de conciliar carreira e maternidade.
Embora essas sejam bases potencialmente férteis, o filme não as explora com profundidade. O tema acaba servindo mais como justificativa roteirística do que como uma lente verdadeiramente analítica. O conflito central se torna uma disputa pessoal e específica, perdendo a universalidade do original. A Mão Que Balança o Berço de 1992 tocava em medos mais amplos e atemporais: a vulnerabilidade da família, a ameaça do outro que se infiltra no núcleo doméstico, e a descrença da mulher. O remake de 2025, ao psicologizar excessivamente a trama, troca esses medos primais por um drama pessoal que, no final, ressoa muito menos.
O Berço que Parou de Balançar
A Mão Que Balança o Berço (2025) é um suspense que não convence, um remake que não acrescenta, sendo a prova de que boas intenções e competência técnica não são suficientes para reviver a magia de um clássico. Ele tenta ser mais “inteligente” e “psicológico” que o original, mas no processo, esvazia-se da ferocidade, da tensão implacável e da vilã inesquecível que fizeram o filme de 1992 permanecer na cultura popular por décadas. É um produto que parece feito por algoritmo, um thriller doméstico que chega a ser útil para uma tarde descompromissada de streaming, mas que desmorona sob o peso de sua própria herança. É um remake que não ousa balançar o berço com força suficiente para criar algo verdadeiramente novo e impactante.
Nota do IMDb: 5,2/10
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