Até o Último Samurai transporta o conceito de Round 6 e Battle Royale para o Japão do século XIX, criando uma série de ação visceral e emocionalmente carregada que honra o cinema de samurai enquanto o atualiza para o público contemporâneo. Com uma premissa que poderia ser resumida como “Round 6 com katanas”, a série, baseada nos romances Ikusagami de Shogo Imamura, supera a simples etiqueta ao se apoiar em coreografias de luta excepcionais, um contexto histórico rico e um elenco talentoso. A produção, que estreou em novembro de 2025, constrói uma narrativa de sobrevivência que é tanto um espetáculo de ação ininterrupto quanto um reflexo melancólico sobre o fim de uma era.
A trama se passa em 1878, no Japão do período Meiji, um momento de profundas transformações em que a classe samurai, outrora poderosa, foi desonrada e empobrecida, proibida até mesmo de carregar suas espadas. Neste contexto, 292 desses guerreiros caídos são atraídos para um jogo mortal conhecido como Kodoku. O desafio é aparentemente simples: começando no Templo Tenryuji, em Quioto, eles devem viajar até Tóquio, coletando as etiquetas de madeira uns dos outros — onde cada etiqueta roubada representa uma vida eliminada. O último sobrevivente leva o prêmio de 100 milhões de ienes. Esta estrutura de “battle royale” serve como pano de fundo para explorar histórias pessoais de desespero, honra perdida e a luta desesperada por redenção.
O Coração da Batalha: Sobrevivência e Sacrifício
A série brilha ao usar seu contexto histórico não como mero pano de fundo decorativo, mas como uma força motriz narrativa. O conflito central não é apenas entre os samurais, mas entre a tradição que eles representam e a modernização implacável que os tornou obsoletos. A série retrata com competência a transição do Japão para a industrialização, uma era em que os valores marciais foram suplantados pelo cálculo econômico e político. Os ricos organizadores do torneio, que observam a carnificina de camarote, personificam essa nova ordem emergente, tratando a agonia dos samurais como mero entretenimento.
O protagonista, Shujiro Saga (Junichi Okada), é a encarnação perfeita desse conflito. Um lendário assassino aposentado, traumatizado por um passado violento, Saga é forçado a retornar à vida que abandonou para salvar sua esposa e filho, ambos doentes de cólera. Sua jornada não é sobre buscar glória, mas sobre enfrentar seus demônios internos para proteger sua família. Ao longo do caminho, ele forma um grupo improvável de aliados, incluindo a jovem Futaba Katsuki (Yumia Fujisaki), que luta por suas próprias razões, e a habilidosa Iroha Kinugasa (Kaya Kiyohara), sua irmã. Esta dinâmica de grupo adiciona camadas de lealdade e conflito interpessoal à narrativa, evitando que ela seja apenas uma sucessão de duelos.
Elenco e Atuações: O Cortina de Aço e Emoção
O elenco de Até o Último Samurai é um de seus maiores trunfos, reunindo alguns dos nomes mais talentosos do cinema e da televisão japonesa.
Junichi Okada como Shujiro Saga: Okada entrega uma atuação monumental, dominando tanto o drama quanto a ação. Seu desempenho como um homem atormentado, dividido entre seu desejo de paz e a necessidade de violência, é convincente e cheio de nuances. Ele transmite uma profunda dor interior com o menor dos olhares, e sua transformação para o modo “Kokushu, o Ceifador” é eletrizante. Além de atuar, Okada também é o produtor e coreógrafo de ação da série, e seu comprometimento triplo é palpável em cada frame. Sua luta é não apenas física, mas uma batalha constante contra seus próprios instintos assassinos.
Masahiro Higashide como Kyojin Tsuge: Higashide interpreta um ex-ninja do clã Iga que traz um estilo de luta completamente diferente para a dinâmica do grupo. Seu personagem é envolto em mistério, e o ator consegue transmitir uma aura de perigo e competência que o torna instantaneamente cativante. Sua presença adiciona uma camada tática e furtiva aos confrontos.
Hideaki Ito como Bukotsu Kanjiya: Ito é formidável como o principal antagonista, Bukotsu Kanjiya. Ele personifica um oponente sanguinário e implacável, cujo passado está inextricavelmente ligado ao de Shujiro. Sua performance é carregada de uma ameaça visceral que eleva as apostas emocionais de cada confronto.
Kaya Kiyohara como Iroha Kinugasa: Kiyohara traz uma força silenciosa e determinada para o papel de Iroha, a irmã de Shujiro. Sua personagem é uma guerreira habilidosa por direito próprio, e a atriz consegue transmitir uma gama complexa de emoções – preocupação, resiliência e uma lealdade inabalável – com uma presença de tela poderosa, porém contida.
O elenco de apoio é igualmente competente, com atuações sólidas de Shota Sometani como o devoto arqueiro Ainu, Kocha Kamuy, Takayuki Yamada como o policial de Quioto Jinbe Ando, e Hiroshi Tamaki como o nobre espadachim Ukyo Kikuomi. Cada um, mesmo em aparições breves, ajuda a construir um mundo crível e habitado por personagens com motivações próprias.
Virtudes e Defeitos: A Espada de Dois Gumes da Narrativa
Virtudes:
Coreografia de Ação Excepcional: As cenas de luta são, sem dúvida, o ponto alto da série. Coreografadas por Junichi Okada, elas são filmadas com uma clareza impressionante, priorizando tomadas amplas e planos-sequência que permitem apreciar a técnica e a intensidade dos combates. A dependência mínima de CGI confere um peso e realismo raros, onde cada golpe de espada parece decisivo. Destaques incluem uma briga de bar em plano-sequência no episódio 4 e o duelo final sob fogos de artifício no episódio 6, que é uma verdadeira obra-prima visual.
Ambientação Histórica Rica: A série vai além do simples entretenimento de ação ao se enraizar em um período de transição histórica autêntica. A dor dos samurais, deslocados por um mundo que não precisa mais deles, adiciona uma camada de profundidade trágica à competição, transformando-a em uma metáfora poderosa para o custo humano do progresso.
Ritmo Ágil e Visual Deslumbrante: Com apenas seis episódios, a série é econômica e não perde tempo com subtramas desnecessárias. A direção de arte e a fotografia criam um visual vibrante e cinematográfico, pintando o Japão do período Meiji com uma paleta de cores que alterna entre a opressão sombria e a beleza serena.
Defeitos:
Desenvolvimento de Personagens Limitado: A maior crítica recai sobre a construção um pouco superficial de alguns personagens coadjuvantes. Com um elenco tão vasto, é inevitável que várias figuras interessantes, como Kyojin Tsuge ou Kocha Kamuy, não recebam o tempo de tela que merecem para que seus arcos sejam totalmente explorados. Shujiro é bem desenvolvido, mas sua relação com Futaba, por vezes, carece de uma evolução mais orgânica.
Tons Melodramáticos e Ritmo Irregular: Em certos momentos, a série adota um tom decididamente melodramático, com traumas pessoais sendo revelados de uma maneira que pode parecer excessiva para alguns espectadores. Além disso, a edição ocasionalmente corta cenas de luta promissoras para focar em conspirações políticas, o que pode frustrar os fãs que buscam ação pura.
Final em Cliffhanger: A temporada conclui seus arcos principais de forma satisfatória, mas deixa claramente em aberto várias linhas narrativas para uma potencial segunda temporada. Para alguns espectadores, este final pode parecer mais uma pausa no meio da história do que uma conclusão definitiva.
Direção e Fotografia: O Olhar que Guia a Lâmina
A direção, a cargo de Michihito Fujii, Kento Yamaguchi e Toru Yamamoto, é consistente e focada. Eles entendem que a força da série reside em suas batalhas e em seu drama humano, e não tentam sobrecarregar a narrativa com um excesso de estilo. A fotografia de Keisuke Imamura e Hiroki Yamada é deslumbrante, capturando a paisagem japonesa com uma textura quase tangível. Desde a névoa que paira sobre os templos até o caos ensanguentado de uma pousada, cada cena é composta com cuidado. A trilha sonora de Takashi Ohmama é imperial e comovente, elevando os momentos de tensão e tragédia sem se tornar invasiva.
Um Marco para as Séries de Ação Japonesas
Até o Último Samurai não é uma reinvenção do gênero, mas uma execução brilhante e comovente de sua fórmula. A série entende que, para que a ação tenha significado, o público deve se importar com as pessoas que estão lutando. Através de Shujiro Saga e seus companheiros, testemunhamos o custo humano da violência e a persistência da honra em um mundo que a descartou. Embora possa não alcançar a profundidade política de Round 6 ou o realismo histórico de Shōgun, ela encontra seu próprio caminho, combinando a intensidade de Battle Royale com a alma trágica do cinema de samurai de autores como Akira Kurosawa.
A série é uma vitória para a Netflix e para as produções japonesas no streaming global. É um espetáculo visual eletrizante, uma reflexão histórica comovente e, acima de tudo, um testemunho do poder duradouro das boas histórias de samurai. Se você é fã de ação coreografada com maestria, dramas históricos ou simplesmente de uma narrativa de sobrevivência bem contada, Até o Último Samurai é uma jornada que vale a pena embarcar.
Nota IMDb: 8.0/10
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