O Agente Secreto (2025): Uma Ambição Grandiosa, Uma Execução Fragmentada

Em meio ao calor opressivo do Recife do Carnaval de 1977, Kleber Mendonça Filho tece uma narrativa de perseguição política e memórias fantasmagóricas. O Agente Secreto é um projeto ambicioso, um thriller político que busca fundir o peso da ditadura militar com a linguagem do cinema de gênero. Contudo, a obra, laureada em Cannes, sucumbe ao próprio peso de suas aspirações, resultando em uma experiência cansativa e notavelmente inferior à filmografia anterior do diretor. Esta não é uma simples revisão, mas um diagnóstico de um filme que, apesar de virtudes inegáveis, falha em concretizar sua potência narrativa.

Sinopse e Contexto Histórico

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O filme se passa em 1977, durante os anos finais da ditadura militar brasileira, e acompanha a trajetória de Armando, também conhecido como Marcelo (Wagner Moura), um professor e especialista em tecnologia que foge de São Paulo para o Recife em um esforço desesperado para escapar de seu passado misterioso e reencontrar o filho. A cidade, imersa no caos controlado do Carnaval, longe de ser um refúgio, revela-se um palco de vigilância, corrupção e perigo, onde ele é constantemente observado e perseguido. A trama se desdobra em meio a uma rede de resistência formada por dissidentes, e o enigma de uma perna humana encontrada dentro de um tubarão-tigre serve como pano de fundo para uma sátira sombria dos mecanismos de desinformação do regime.


Virtudes e Defeitos da Narrativa

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A narrativa de O Agente Secreto é seu aspecto mais divisivo. O filme possui ambições louváveis, mas sofre de uma estrutura fragmentada que prioriza digressões em detrimento do foco narrativo.

Virtudes: A abordagem de Mendonça Filho em reconstruir o Recife dos anos 70 é imersiva e meticulosa. A direção de arte é um personagem por si só, capturando a textura, o suor e a paranoia da época com uma autenticidade palpável . A inclusão de elementos surreais, como a saga da “perna cabeluda”, é um lance criativo ousado que, em seu melhor momento, funciona como uma crítica ácida e memorável à forma como o regime utilizava o sensacionalismo para mascarar sua violência . A cena em que personagens marginalizados – mulheres e dissidentes políticos – compartilham suas histórias é um dos momentos mais poderosos e humanizados do filme.

Defeitos: O roteiro, no entanto, é excessivamente autoirreferente e prolixo. A duração de 158 minutos é sentida a cada volta do relógio, com subplots que parecem desconectados do arco principal e que poderiam ter sido drasticamente enxugados na sala de edição. A trama no presente, envolvendo uma estudante de história que pesquisa o caso de Armando, é um elemento estrutural que adiciona pouco à tensão emocional, gerando mais distanciamento do que engajamento. A coerência narrativa é frequentemente sacrificada em nome de um mosaico de ideias que, embora individualmente interessantes, não se fundem em um todo satisfatório.


Elenco e Atuações

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O elenco é talentoso, mas as performances são, em sua maioria, contidas, quando não subutilizadas.

Wagner Moura como Armando/Marcelo: Moura, um dos maiores atores de sua geração, entrega uma atuação notavelmente contida. Seu Marcelo é um homem perseguido, mas a escolha por uma interpretação tão interna e sutil, por vezes, beira a apatia, dificultando a criação de um vínculo sólido com o espectador. A decisão de também interpretar o filho adulto na trama do presente é um artifício desnecessário que não agrega profundidade emocional e soa como uma conveniência narrativa forçada.

Maria Fernanda Cândido como Elza: Cândido personifica a serenidade e a determinação da rede de resistência. Sua Elza é inteligente, corajosa e possui uma história pessoal que transborda em cada gesto, roubando a cena sempre que aparece e deixando a desejar por um desenvolvimento ainda maior.

Gabriel Leone como Bobbi: Leone traz uma energia juvenil e tensa ao papel do hitman Bobbi. Sua atuação é eficaz, mas o personagem, assim como muitos outros, é mais um esboço do que uma figura plenamente realizada dentro do emaranhado de tramas.

Udo Kier como Hans: Em uma participação especial, Kier tem uma cena poderosa onde revela as cicatrizes do Holocausto, oferecendo um contraponto emocionante sobre trauma e sobrevivência. É um momento de brilho que, infelizmente, parece isolado do restante da narrativa.


Direção e Fotografia

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Tecnicamente, o filme é deslumbrante. Kleber Mendonça Filho, ao lado da cinematógrafa Evgenia Alexandrova, constrói uma estética visual impressionante. As lentes anamórficas da Panavision e o uso de equipamentos vintage conferem à película uma textura que remete autenticamente aos filmes dos anos 70, evocando influências que vão de John Carpenter a Brian De Palma. Recife é filmada como um labirinto opressivo e sensual, onde a arquitetura e a luz natural participam ativamente da narrativa. A trilha sonora de Tomaz Alves Souza e Mateus Alves, pontuada por needle drops de música popular, é outro elemento de destaque, ajudando a solidificar a atmosfera de era. No entanto, a maestria técnica não é suficiente para camuflar os problemas de ritmo e estrutura. A direção, por vezes, parece mais interessada em criar cenas e homenagens cinéfilas do que em conduzir a narrativa com a tensão necessária para um thriller.


Contexto Temático: Poder e Memória

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O Agente Secreto é, em sua essência, um filme sobre os mecanismos do poder em uma sociedade sob vigilância. Ele explora como os indivíduos negociam sua sobrevivência dentro de um sistema opressivo, seja resistindo, como Elza, seja submetendo-se, como os policiais corruptos. A moralidade não é preto no branco; os personagens navegam em tons de cinza, tomando decisões difíceis para preservar suas vidas.

O conflito central, consiste em memória versus esquecimento. O filme é obcecado pela forma como o passado – tanto político quanto pessoal – assombra o presente. A busca de Armando por documentos de sua mãe falecida e a investigação da estudante Flavia no presente são duas faces da mesma moeda: uma luta contra o apagamento imposto pela violência de Estado. A figura do “agente secreto” se desloca do protagonista para todos aqueles que, na invisibilidade, trabalham para preservar a verdade que o regime tenta afogar no mar ou esconder nos arquivos.


O Fardo da Expectativa

O Agente Secreto não é um filme desprovido de méritos. Sua ambição, sua qualidade visual e seus momentos de genialidade satírica e emocional são dignos de nota. No entanto, quando avaliado contra o próprio legado de Kleber Mendonça Filho – a tensão urbana de O Som ao Redor, a fúria alegórica de Bacurau, ele se estabelece como uma obra menor. É um palimpsesto onde se veem camadas de grandes ideias, mas que nunca se fundem em uma imagem coesa e poderosa. A experiência final é a de assistir a um conjunto de cenas notáveis, mas desconectadas, presas em um labirinto narrativo do qual, assim como seu protagonista, parecem incapazes de escapar. Para os devotos do cineasta e do cinema brasileiro, é uma visita obrigatória, porém, frustrante. Para o espectador casual, é um teste de paciência de 158 minutos.

Nota IMDb: 7.9/10

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