Em um Brasil à beira da legalização do jogo, a série brasileira da Netflix mergulha o espectador nas entranhas do crime organizado do Rio de Janeiro, onde a ambição não conhece limites e a lealdade é uma moeda de troca. Os Donos do Jogo é uma narrativa ousada que tece um painel complexo de poder, traição e os laços familiares que podem tanto unir quanto destruir.
Premissa e Contexto: O Xadrez do Crime
Criada por Heitor Dhalia, Os Donos do Jogo situa-se em um momento pivotal: a iminente legalização do jogo no Brasil. Esta decisão governamental desestabiliza a fundação do sindicato do crime local, que durante décadas controlou o lucrativo e ilegal “jogo do bicho”. O cenário é de terra arrasada, onde os antigos donos do poder veem seu império ameaçado não apenas pela mudança da lei, mas também pelo interesse de organizações criminosas estrangeiras em entrar no mercado e, mais perigosamente, pela ascensão meteórica de um novo protagonista: Profeta. A série utiliza esse contexto de transição para explorar como as estruturas de poder se adaptam, se fragmentam ou se reinventam diante de novas realidades, criando um rico pano de fundo para um drama humano repleto de ambição e consequências.
Virtudes e Defeitos da Narrativa
A narrativa de Os Donos do Jogo é seu maior trunfo e, paradoxalmente, sua fraqueza mais perceptível.
Entre suas virtudes mais notórias está o ritmo acelerado. A trama não se perde em subtramas desnecessárias, mantendo uma tensão constante que faz com que cada episódio avance de forma decisiva. Esse dinamismo é elogiado por espectadores, que consideram a série “a quantidade certa de suspense, sem arrastamentos desnecessários”. Outro ponto forte é o sentido de realismo que impregna a produção. A série é filmada em locações que capturam a essência do Brasil, longe de uma visão turística e pasteurizada do Rio de Janeiro. Essa autenticidade é reforçada por uma narrativa que, para quem conhece a realidade carioca, “é possível entender as fundações da série“. A complexidade moral dos personagens também merece destaque; as motivações raramente são puramente boas ou más, refletindo as nuances do mundo real onde o certo e o errado frequentemente se confundem.
No entanto, a série também exibe defeitos significativos. O mais evidente é a pressa no desenvolvimento de alguns personagens. Embora o protagonista Profeta seja bem construído, algumas figuras secundárias carecem de profundidade, o que pode diminuir o impacto emocional de suas jornadas. Esta é uma crítica implícita em comentários que sugerem que “o show precisava de mais alguns episódios para desenvolver melhor os personagens”. Em sua ambição de manter um ritmo alucinante, a produção por vezes sacrifica a oportunidade de explorar camadas mais profundas de seu elenco coadjuvante. Além disso, embora o tema da legalização do jogo seja um catalisador interessante, a série ocasionalmente recai em convenções do gênero policial, oferecendo poucas inovações narrativas para quem é ávido consumidor de séries de crime.
Análise do Elenco e Personagens
O elenco principal é um dos pilares da série, com atuações que vão do competente ao verdadeiramente brilhante.
André Lamoglia como Profeta: Lamoglia entrega uma performance cativante como o ambicioso Profeta. Seu personagem é a força propulsora da trama, e o ator consegue transmitir com nuances a transformação de um jovem determinado em um estrategista impiedoso. Sua expressão corporal e olhar carregam o peso da ambição e dos segredos que ele carrega, particularmente em relação à sua origem.
Juliana Paes como Leila: Juliana Paes rouba a cena como Leila, uma mulher poderosa no conselho do crime. Sua atuação é matizada, equilibrando frieza estratégica com lampejos de vulnerabilidade emocional. O arco de Leila ganha profundidade com uma revelação crucial: ela é, na verdade, a mãe biológica de Profeta, um segredo que ele descobre e opta por manter em silêncio, adicionando uma camada intensa de drama psicológico e tensão não resolvida entre os dois.
Mel Maia como Mirna: Personagem, cujo relacionamento com Profeta é tanto afetivo quanto uma aliança estratégica que solidifica sua posição no mundo do crime. A atriz consegue transmitir a complexidade de uma personagem que navega entre seu papel de apoio e suas próprias ambições.
Giullia Buscacio como Susana: Buscacio traz profundidade a Susana, uma personagem casada com Búfalo (Xamã), um novo membro da cúpula que peca pelo excesso de força e muita falta de inteligência.
Chico Díaz como Galego e Otávio Müller como Xavier: Díaz e Müller representam facetas distintas da velha guarda do crime. Díaz, como Galego, é a presença física e intimidatória, enquanto Müller, como Xavier, é o estrategista maquiavélico que manipula as peças no tabuleiro do crime.
Profundidade Temática: Mais que um Simples Drama Policial
Os Donos do Jogo se destaca por ir além da superfície do gênero policial, abordando temas universais e profundos. A natureza do poder é o cerne da série: como se conquista, como se mantém e qual o preço pessoal e moral que se paga por ele. Profeta sobe ao topo, mas a pergunta que paira é se ele conseguirá permanecer lá sem ser corrompido ou destruído pelas forças que ele mesmo desencadeou.
A moralidade ambígua é outra linha mestra. A série se recusa a apresentar heróis ou vilões puros. Em vez disso, mostra indivíduos tomando decisões em um ambiente onde a sobrevivência justifica meios que, em outro contexto, seriam inaceitáveis. A tradição versus modernidade também é explorada, não apenas através do conflito geracional entre os antigos chefes e Profeta, mas também através da ameaça disruptiva representada pela possível legalização e pela entrada de grupos criminosos estrangeiros. Por fim, os segredos de família funcionam como um motor dramático poderoso. A revelação do parentesco entre Leila e Profeta é um excelente exemplo, transformando dinâmicas de poder em um drama íntimo e carregado de consequências emocionais.
Direção, Fotografia e Trilha Sonora
Sob a direção de Heitor Dhalia, a série adota um visual visceral e atmosférico. A fotografia abraça a estética do Rio de Janeiro, mostrando tanto o glamour das zonas ricas quanto a aspereza das favelas, criando um contraste que espelha a divisão social e econômica inerente à trama. As cenas são compostas com cuidado, usando luz e sombra para reforçar o tom de suspense e perigo.
A trilha sonora merece menção especial. Ela não apenas ambienta a série, mas também amplifica suas emoções, pontuando momentos de tensão máxima e oferecendo um respiro rítmico nos interlúdios mais dramáticos. A escolha de incorporar música brasileira contemporânea ajuda a produção em sua localização geográfica e cultural, evitando uma sonoridade genérica de série global.
Uma Aposta que Vale a Pena
Os Donos do Jogo não é uma série perfeita. Sua natureza acelerada e a subutilização de alguns coadjuvantes são falhas que impedem a produção de atingir o nível de excelência de faróis do gênero como “Narcos”, com o qual tem sido comparada. No entanto, é uma das produções brasileiras mais ousadas e tecnicamente competentes dos últimos tempos. Sua narrativa envolvente, performances sólidas, especialmente de André Lamoglia e Juliana Paes, e sua exploração inteligente de temas complexos fazem dela uma adição valiosa ao catálogo da Netflix.
A série consegue a proeza de ser, ao mesmo tempo, um thriller de crime empolgante e um drama humano comovente. Deixa o espectador ansioso para uma segunda temporada, não por um cliffhanger vazio, mas pelo genuíno interesse no destino de seus personagens profundamente imperfeitos e pelas consequências de suas escolhas em um mundo onde ninguém é verdadeiramente dono do jogo, apenas uma peça em um tabuleiro maior.
Nota IMDb: 6.6/10
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