Tremembé (2025): A minissérie que o Prime Video não se esquiva de expor a intimidade e a complexa dinâmica de poder no presídio mais midiático do Brasil, onde a moralidade é uma moeda de troca e a notoriedade é a nova cela.
O Palco da Infâmia: Narrativa e Contexto Temático
A minissérie Tremembé não é apenas um true crime sobre crimes hediondos; é uma análise sociológica disfarçada de drama carcerário. A diretora Vera Egito, que também assina o roteiro, opta por um caminho arriscado: focar menos no o quê e mais no como e porquê da convivência forçada entre os criminosos mais notórios do país. O presídio de Tremembé, conhecido por abrigar figuras como Suzane von Richthofen, Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, torna-se um microcosmo onde as hierarquias sociais e a busca por poder se reconfiguram sob o peso da culpa e da fama.
A virtude central da narrativa reside justamente na sua coragem de desviar do sensacionalismo puro. Em vez de reviver os detalhes chocantes dos crimes (que são mostrados em flashbacks fragmentados e estilizados), a série mergulha na moralidade ambígua do cotidiano. Ela questiona o espectador: o que acontece quando a punição se torna uma forma de celebridade? A série expõe a luta interna dos personagens para manter uma fachada de normalidade ou de redenção, mesmo que o mundo exterior os veja como monstros. A minissérie, com seus cinco episódios, dedica tempo a construir o ambiente de Tremembé como um purgatório particular, onde a pena não é apenas a privação de liberdade, mas a convivência forçada com o próprio reflexo da infâmia.
O roteiro, adaptado dos livros de Ulisses Campbell, consegue tecer uma rede de intrigas que, embora ficcionalizada, soa perturbadoramente real. A forma como a série aborda a dinâmica de poder é particularmente perspicaz. O poder não é exercido pela força bruta, mas pela influência midiática e pela capacidade de manipulação. A série sugere que, para essas figuras, a prisão é apenas mais um palco onde a tradição da pena se choca com a modernidade da fama instantânea. A série é um comentário ácido sobre a cultura do true crime no Brasil, que transforma tragédias em entretenimento e, ironicamente, confere um status de celebridade perversa aos condenados.
No entanto, a narrativa tropeça em um defeito notável: a oscilação entre o drama psicológico e o que, em certos momentos, se assemelha a uma novela de presídio. A necessidade de humanizar os personagens, de mostrar seus casos amorosos e suas intrigas, por vezes dilui a tensão dramática e a seriedade do tema, caindo na armadilha do voyeurismo que tanto critica. Por exemplo, a subtrama envolvendo a disputa de poder entre Suzane e Sandrão, embora crucial para a dinâmica da prisão, é tratada com um melodrama que destoa da sobriedade que o tema exige. Há uma clara dificuldade em manter o tom sóbrio ao longo dos cinco capítulos, cedendo a clichês de rivalidade feminina que enfraquecem a crítica social proposta.
O Peso da Interpretação: Análise do Elenco
O elenco é o pilar que sustenta a ousadia de Tremembé. A escolha de atores conhecidos para papéis tão controversos foi um acerto que injetou a dose necessária de magnetismo para prender o público, ao mesmo tempo em que sublinha a natureza midiática dos crimes retratados.
Marina Ruy Barbosa como Suzane von Richthofen entrega uma performance surpreendente e, para muitos, a melhor de sua carreira. Longe do glamour habitual, ela constrói uma Suzane calculista, de olhar frio e uma quietude que esconde um turbilhão de ambição e ressentimento. A sua virtude é a sutileza na transição de uma jovem frágil para a figura de poder dentro do presídio, especialmente nas cenas de confronto com as outras detentas. A atriz consegue transmitir a frieza calculada da personagem sem cair no exagero, tornando a sua busca por redenção (ou, mais precisamente, por aceitação) um dos pontos mais fascinantes da série.
Bianca Comparato como Anna Carolina Jatobá é igualmente impressionante. Comparato capta a complexidade de Jatobá, uma mulher que tenta desesperadamente manter os laços familiares enquanto lida com o isolamento e o julgamento público. Sua atuação é marcada por uma intensidade contida, um exemplo específico de sua virtude é a cena em que ela tenta falar com os filhos por telefone, revelando a dor e a negação que a consomem. É um retrato de desespero materno que, apesar do crime cometido, ressoa com uma humanidade perturbadora.
O restante do elenco oferece um suporte sólido que enriquece o ambiente carcerário. Carol Garcia como Elize Matsunaga consegue dar profundidade a uma personagem que, na mídia, muitas vezes foi reduzida a um único ato. Sua Elize é introspectiva e atormentada, uma figura que se move nas sombras da prisão. Letícia Rodrigues como Sandrão é a força bruta e a tradição do cárcere, representando o contraponto perfeito à “fama” das recém-chegadas.
Por outro lado, o defeito nas atuações reside na dificuldade de alguns atores em equilibrar a representação da figura pública com a profundidade psicológica exigida. Em alguns momentos, a interpretação de Lucas Oradovschi como Alexandre Nardoni parece excessivamente caricatural, beirando o estereótipo do criminoso frio, o que diminui a complexidade que a série tenta construir. A sua presença, embora necessária para o contexto, não atinge a mesma nuance de suas colegas de elenco.
Direção e Fotografia: A Estética do Confinamento
A Direção de Vera Egito e Daniel Lieff é assertiva ao criar uma atmosfera claustrofóbica e, ao mesmo tempo, estranhamente familiar. A série se beneficia de uma estética que evita o cinza e o sujo clichê das produções carcerárias. Em vez disso, a fotografia (cujo diretor merece destaque pela paleta de cores quentes e saturadas) utiliza a luz natural de forma a ressaltar o contraste entre a vida “normal” que as detentas tentam levar e a realidade brutal de seu confinamento.
A virtude técnica está na forma como a câmera se move nos corredores e pátios, transformando o espaço físico em um personagem por si só. Há um exemplo específico de excelência na montagem dos flashbacks dos crimes, que são rápidos, quase oníricos, e pontuam a narrativa sem roubar o foco do presente. Essa escolha estilística reforça a ideia de que o passado é uma sombra constante, mas o drama real está no agora. A consultoria de ex-presidiários, mencionada na produção, confere uma veracidade palpável às cenas de convivência e às regras não escritas do presídio, elevando o nível de detalhe da produção.
O defeito da produção, no entanto, é a inconsistência no ritmo. Em alguns episódios, a cadência da trama se arrasta, especialmente quando se aprofunda em subtramas menos relevantes para o arco central de poder e sobrevivência. A série, com seus cinco episódios, poderia ter se beneficiado de uma edição mais concisa para manter a tensão em alta. Além disso, a trilha sonora, em momentos cruciais, peca pelo excesso, sublinhando emoções que as atuações já haviam transmitido com maestria.
Um True Crime que Desafia o Espectador
Tremembé é uma obra que cumpre o que promete: abrir as portas do presídio mais famoso do Brasil, mas não para nos chocar com o horror dos crimes, e sim para nos confrontar com a humanidade perturbadora de seus autores. É um espelho que reflete o fascínio mórbido da sociedade pela infâmia, e o faz com um elenco de peso e uma direção competente.
A série é um sucesso de produção que, apesar de seus deslizes melodramáticos, consegue manter um tom autoral e provocativo. Ela não oferece respostas fáceis, mas sim um convite à reflexão sobre a natureza do mal, a busca por redenção e o papel da mídia na construção de mitos criminosos. É um true crime brasileiro que se eleva acima da média por sua ambição temática e pela força de suas atuações centrais. O seu maior mérito é forçar o espectador a encarar a linha tênue entre a monstruosidade do ato e a complexidade da pessoa, um exercício moralmente desconfortável, mas artisticamente necessário.
Nota IMDb: 6.9/10
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