Existe uma magia peculiar na direção feminina. Em sentar na poltrona de um cinema, na penumbra que antecede o filme, e se entregar a uma nova história. É uma sensação de expectativa, de mundo por descobrir. Por décadas, associamos essa magia quase que instintivamente a nomes masculinos – os “auteurs”, os gênios da câmera. Mas e se lhe dissessem que algumas das visões mais ousadas, sensíveis e revolucionárias do cinema partiram de uma perspectiva diferente? Uma perspectiva que, durante muito tempo, teve que lutar com unhas e dentes por um lugar atrás da câmera. Este artigo é uma celebração da lente feminina. Uma jornada através de dez filmes essenciais dirigidos por mulheres que não apenas quebraram barreiras, mas esculpiram suas iniciais na própria história da sétima arte, oferecendo narrativas únicas, personagens complexos e uma emocionalidade que ressoa de forma profunda e inesquecível.
1. Mulher-Maravilha (2017)
Diretora: Patty Jenkins
A princesa Diana, criada na paradisíaca ilha de Themyscira, deixa seu lar para lutar na Primeira Guerra Mundial, descobrindo todo seu potencial e sua missão no mundo dos homens. O filme não é apenas uma origem da super-heroína, mas um poderoso conto sobre compaixão, coragem e esperança.
Destaque: A icônica cena de “No Man’s Land”, onde Diana, diante do fogo cerrado das trincheiras, se ergue sozinha e avança através do campo de batalha, tornando-se um escudo vivo. A direção de Patty Jenkins transforma esse momento num hino visual ao poder feminino e à resiliência, arrancando lágrimas e suspiros do público.
Nota IMDb: 7.4/10
2. Frida (2002)
Diretora: Julie Taymor
Uma biografia vibrante e surreal da icônica pintora mexicana Frida Kahlo. O filme navega por sua vida conturbada, seu casamento tempestuoso com Diego Rivera, seu sofrimento físico e, acima de tudo, sua paixão transbordante pela arte e pela vida.
Destaque: A decisão visionária de Julie Taymor de incorporar as pinturas de Frida diretamente na narrativa, fazendo com que as cenas ganhem vida como quadros animados. Esta técnica não apenas embeleza o filme, mas nos permite ver o mundo através dos olhos da própria artista.
Nota IMDb: 7.3/10
3. Nomadland (2020)
Diretora: Chloé Zhao
Seguindo uma mulher que, após perder tudo na Grande Recessão, embarca em uma jornada pelo Oeste americano vivendo como uma nômade moderna em sua van. O filme é um híbrido poético entre ficção e documentário, explorando temas de luto, comunidade e a busca por um lar em um mundo em constante mudança.
Destaque: A direção sensível de Zhao, que mistura atores profissionais como Frances McDormand com nômades reais interpretando versões de si mesmos. As cenas sob o céu estrelado, com diálogos mínimos e uma trilha sonora etérea, transmitem uma sensação de paz e melancolia avassaladoras.
Nota IMDb: 7.8/10
4. As Sufragistas (2015)
Diretora: Sarah Gavron
Um drama histórico urgente e visceral que acompanha o movimento das sufragistas britânicas no início do século XX, focando em mulheres da classe trabalhadora que arriscaram tudo pela luta pelo direito ao voto.
Destaque: A recusa do filme em romantizar a luta. Gavron apresenta a violência, a repressão policial e o custo pessoal da militância com um realismo cru. A atuação coletiva, especialmente de Carey Mulligan e Helena Bonham Carter, é eletrizante e comovedora.
Nota IMDb: 6.9/10
5. Cidade de Deus (2002)
Diretores: Fernando Meirelles e Kátia Lund
Um retrato brutal e eletrizante do crescimento do crime nas favelas do Rio de Janeiro, conhecidas como Cidade de Deus, nas décadas de 1960, 1970 e 1980, através dos olhos de Buscapé, um jovem que sonha em se tornar fotógrafo.
Destaque: A energia cinematográfica visceral e o estilo quase documental, impulsionados pela decisão crucial de Kátia Lund de escalar um elenco de atores não profissionais, muitos deles moradores de favelas. A direção de arte e a edição frenética criam um senso de realidade e urgência que é ao mesmo tempo chocante e cativante.
Nota IMDb: 8.6/10
6. Os Renegados (1985)
Diretora: Agnès Varda
O corpo de uma jovem andarilha, Mona, é encontrado congelado em uma vala no sul da França. A história de seus últimos dias é reconstruída através de flashbacks e dos depoimentos de pessoas com quem ela cruzou durante sua jornada sem rumo pelas estradas.
Destaque: A estrutura narrativa inovadora, que combina cenas da jornada de Mona com entrevistas diretas para a câmera das pessoas que a conheceram. A atuação aclamada de Sandrine Bonnaire, que rendeu a ela o César de Melhor Atriz.
Nota IMDb: 7.7/10
7. Lady Bird: A Hora de Voar (2017)
Diretora: Greta Gerwig
Um retrato terno e agridoce do último ano do ensino médio de Christine “Lady Bird” McPherson, uma jovem criativa e teimosa que anseia por escapar de sua cidade natal, Sacramento, e de sua relação complicada com sua mãe.
Destaque: A escrita e a direção afiadas de Greta Gerwig, que capturam as nuances e as dores do amadurecimento sem clichês. O filme é repleto de cenas pequenas e perfeitas que ressoam com qualquer um que já foi jovem, especialmente a dinâmica visceral e amorosa entre Lady Bird (Saoirse Ronan) e sua mãe (Laurie Metcalf).
Nota IMDb: 7.4/10
8. Precisamos Falar Sobre o Kevin (2011)
Diretora: Lynne Ramsay
Uma mãe luta para criar seu filho, que exibe um comportamento perturbador desde a infância, culminando num ato de violência chocante. O filme é um mergulho angustiante na maternidade, na culpa e na natureza do mal.
Destaque: A direção de arte expressionista de Lynne Ramsay. O uso da cor vermelha, associada ao tomate no início do filme e ao sangue depois, é uma ferramenta narrativa poderosa. A atuação visceral de Tilda Swinton, mostrando a desintegração psicológica de sua personagem, é de cortar o fôlego.
Nota IMDb: 7.5/10
9. Persépolis (2007)
Diretoras: Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud
Uma animação em preto e branco baseada na graphic novel autobiográfica de Satrapi, que narra sua infância e adolescência no Irã durante e após a Revolução Islâmica, mostrando a transformação do país sob um regime opressivo através dos olhos de uma menina que sonha com liberdade.
Destaque: A simplicidade estilística da animação, que contrasta brutalmente com a complexidade e a gravidade da história. A escolha estética amplifica a voz pessoal e, por vezes, humorada de Marjane, tornando a história política profundamente humana e universal.
Nota IMDb: 8.0/10
10. Invencível (2014)
Diretora: Angelina Jolie
A história real de Louis Zamperini, um atleta olímpico americano que, durante a Segunda Guerra Mundial, sobreviveu por semanas no oceano após um acidente aéreo, apenas para ser capturado e enviado para um campo de prisioneiros japonês, onde enfrentou provações inimagináveis.
Destaque: A direção segura e emocionalmente ressonante de Angelina Jolie, que consegue traduzir a jornada épica de sobrevivência e redenção de Zamperini sem cair no melodrama. As sequências no oceano são filmadas com uma crueza que transmite a solidão e o desespero absolutos, enquanto as cenas no campo de prisioneiros são um testemunho comovente da resistência do espírito humano.
Nota IMDb: 7.2/10
Para Além da Câmera, Uma Nova Forma de Ver
Estes dez filmes são apenas a ponta do iceberg de um oceano de talento que, felizmente, vem ganhando cada vez mais visibilidade. Eles nos mostram que a “direção feminina” não se trata de um gênero ou um nicho, mas de um espectro vasto de vozes e visões que enriquecem o cinema de maneira inestimável. Do épico de super-heroína de Mulher-Maravilha, de Patty Jenkins, ao realismo cru de Os Renegados, de Agnès Varda, e ao drama histórico de Invencível, de Angelina Jolie, são lentes que frequentemente se debruçam sobre a complexidade interior dos personagens, que desafiam estruturas narrativas tradicionais e que nos apresentam heróis e heroínas em suas formas mais humanas – vulneráveis, resilientes, contraditórias e profundamente reais. Assistir a esses filmes é mais do que um entretenimento; é uma experiência de ampliação de horizonte. É compreender que toda história ganha novas camadas quando contada a partir de um ponto de vista que, durante séculos, foi silenciado. O cinema, em sua essência, é sobre empatia. E que melhor forma de exercitá-la do que enxergando o mundo através dos olhos de quem sempre o observou, mas nem sempre pôs o que via na tela?
E você, qual dessas obras-primas dirigidas (ou co-dirigidas) por mulheres mais tocou a sua alma? Tem outra diretora ou filme que considera essencial e que não poderia faltar nesta lista? Compartilhe suas impressões nos comentários e vamos continuar essa conversa!