Há uma magia silenciosa que acontece nas telas, uma linguagem não verbal que fala diretamente aos nossos sentidos. Antes mesmo que uma palavra seja proferida, antes que a trama se desdobre, somos apresentados aos personagens através de suas roupas. Um vestido não é apenas um vestido; é uma declaração de poder, um suspiro de vulnerabilidade, uma cápsula do tempo. Um terno não é apenas um terno; é uma armadura, uma prisão, uma segunda pele. O design de moda no cinema é um dos pilares mais subestimados e, ao mesmo tempo, mais vitais da narrativa visual. Ele constrói mundos, define personagens e, nas mãos de mestres, torna-se uma estrela por direito próprio, roubando cenas não com falas, mas com texturas, cores e cortes. Vamos mergulhar em dez filmes onde o figurino não apenas complementa a história, mas a tece, linha a linha, transformando-se em personagem indelével na nossa memória afetiva.
1. O Grande Gatsby (2013)

Diretor(a): Baz Luhrmann
Na Nova York dos efervescentes anos 1920, o misterioso milionário Jay Gatsby envolve-se em uma obsessão pelo passado, personificada em seu amor perdido, Daisy Buchanan. O filme é um turbilhão de festas, jazz e ilusões, retratando o esplendor e a decadência do Sonho Americano.
Destaque: A assinatura da estilista Miuccia Prada, em colaboração com a figurinista Catherine Martin, é palpável em cada cena. Os vestidos de Daisy, fluidos e com detalhes em pedraria, parecem feitos de champanhe e lágrimas. A icônica cena do reencontro, sob chuva de confetes, onde Gatsby veste um traje rosa, é um estudo de cor e caracterização. A roupa é sua armadura de novo-rico, tentando comprar um lugar em um mundo que sempre o rejeitou.
Nota IMDb: 7.2/10
2. Blade Runner 2049 (2017)

Diretor(a): Denis Villeneuve
Em um futuro distópico e sombrio, um novo blade runner, K, desvenda um segredo há muito enterrado que tem o potencial de mergulhar a sociedade no caos. Sua investigação o leva à procura de Rick Deckard, desaparecido há 30 anos.
Destaque: A figurinista Renée April constrói um mundo visual através de tecidos e silhuetas. O longo casaco de K é uma extensão de sua própria solidão e anonimato. Já a roupa da replicante Luv, com seus cortes precisos e cores frias, reflete sua natureza calculista e implacável. Cada peça parece ter sido projetada não para a moda, mas para a função e a filosofia de um mundo pós-apocalíptico.
Nota IMDb: 8.0/10
3. Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016)

Diretor(a): Barry Jenkins
A história íntima e poética de Chiron, um jovem negro de Miami, em três fases de sua vida: infância, adolescência e vida adulta. O filme explora sua luta com a identidade, o abuso e o amor.
Destaque: O figurino, de Caroline Eselin, é um tratado sobre a construção da masculinidade. A transformação do frágil “Little” para o fortificado “Black” é contada através das roupas. A corrente de ouro, o boné, a jaqueta de couro – são todos elementos de uma armadura que ele veste para enfrentar o mundo, escondendo sua vulnerabilidade. A textura das roupas quase se pode sentir, da maciez de uma camiseta molhada ao peso simbólico de um colar.
Nota IMDb: 7.4/10
4. O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001)

Diretor(a): Jean-Pierre Jeunet
Amélie é uma jovem sonhadora e tímida que decide mudar a vida das pessoas ao seu redor em Paris, enquanto busca sua própria felicidade e um amor peculiar.
Destaque: O figurino de Madeline Fontaine é um dos mais reconhecíveis da história do cinema. O visual de Amélie – com suas saias na altura do joelho, suéteres vermelhos, e cabelo curto e escuro – tornou-se um arquétipo da jovem excêntrica e encantadora. As cores quentes e terrosas de seu guarda-roupa refletem o tom de conto de fadas do filme e sua personalidade calorosa, embora reservada.
Nota IMDb: 8.3/10
5. Coringa (2019)

Diretor(a): Todd Phillips
Arthur Fleck, um comediante fracassado e perturbado, é levado à beira da loucura por uma sociedade que o ignora e maltrata. Sua transformação no criminoso conhecido como Coringa é um estudo sombrio sobre alienação e doença mental.
Destaque: O trabalho da figurinista Mark Bridges é fundamental para a jornada de Arthur. Suas roupas desbotadas e mal ajustadas no início simbolizam sua invisibilidade. Conforme sua psique se desfaz, o traje que se torna sua segunda pele – o casaco vermelho, o colete amarelo – é uma explosão de cores doentias, uma paleta que grita em um mundo cinza. A maquiagem, claro, é a peça final deste figurino que é uma declaração de guerra.
Nota IMDb: 8.4/10
6. O Diabo Veste Prada (2006)

Diretor(a): David Frankel
Andrea Sachs, uma jovem jornalista recém-formada, consegue um emprego “que um milhão de garotas mataria por”: ser assistente da temida editora-chefe da Runway, Miranda Priestly. Andrea entra em um mundo de alta-costura que testa sua integridade e ambição.
Destaque: O filme é uma aula sobre a linguagem da moda. A transformação de Andy, de “patinho feio” em uma profissional estilosa, é narrada através de seus sapatos, bolsas e casacos. A icônica cena em que Miranda explica a hierarquia das cores de uma cintura de ceroulas é um discurso magistral sobre o poder e o significado cultural por trás de cada peça de roupa.
Nota IMDb: 6.9/10
7. A Forma da Água (2017)

Diretor(a): Guillermo del Toro
Em um laboratório secreto durante a Guerra Fria, Elisa, uma muda que trabalha como faxineira, desenvolve uma conexão única com uma criatura anfíbia mantida em cativeiro.
Destaque: O figurino de Luis Sequeira é uma homenagem ao cinema clássico e uma ferramenta narrativa poderosa. Os sapatos vermelhos de Elisa são um farol de sua humanidade e desejo em um mundo cinza e opressivo. As cores dos vestidos de Giles e o uniforme militar autoritário de Strickland definem visualmente o conflito entre a beleza e a brutalidade.
Nota IMDb: 7.3/10
8. Clube da Luta (1999)

Diretor(a): David Fincher
Um homem insone e desiludido com seu trabalho e vida consumerista forma um clube de lutas subterrâneo com o carismático e anárquico Tyler Durden, levando a uma espiral de caos e violência.
Destaque: O figurino de Michael Kaplan é uma crítica visual ao capitalismo. O “uniforme” do Narrador – a camisa branca, a gravata – é a personificação de sua existência vazia. A jaqueta de couro vermelha de Tyler e suas camisas estampadas e desleixadas são o antídoto, simbolizando a rejeição de todas as regras. As roupas ficam progressivamente mais sujas e destruídas, refletindo a deterioração mental dos personagens e sua ruptura com a sociedade.
Nota IMDb: 8.8/10
9. Maria Antonieta (2006)

Diretor(a): Sofia Coppola
O filme narra a vida da jovem arquiduquesa austríaca que se torna rainha da França, mostrando sua luta com a solidão, as rígidas tradições da corte e a inevitável revolução.
Destaque: A ousadia de Sofia Coppola e da figurinista Milena Canonero foi misturar o extravagante estilo rococó com elementos modernos, como tênis Converse. Os vestidos de Maria Antonieta são personagens por si só: opressivos em seu esplendor, refletindo a gaiola de ouro em que ela vive. A cena dos sapatos, com uma infinidade de modelos coloridos, é um festim visual que encapsula seu hedonismo e fuga da realidade.
Nota IMDb: 6.5/10
10. Os Suspeitos (1995)

Diretor(a): Bryan Singer
A história de um grupo de criminosos aparentemente aleatórios que são reunidos para um suposto trabalho e descobrem que foram manipulados por uma mente sinistra.
Destaque: O poder do figurino, aqui, está na sua simplicidade e repetição. A figura do Keyser Söze é construída através de um único e terrível elemento: um casaco de lã preto e longo. Essa peça, vista em flashbacks, torna-se um símbolo de puro mal, um fantasma que assombra cada linha da narrativa. É a prova de que não é necessário um guarda-roupa elaborado, mas sim a peça certa, no momento certo, para se tornar eterno.
Nota IMDb: 8.5/10
O Tecido que Conecta: Muito Além do Pano
Estes filmes nos lembram que o figurino é muito mais do que uma disciplina técnica da sétima arte. É um narrador silencioso, um psicólogo que veste as emoções dos personagens, um historiador que preserva a estética de uma época. Quando nos lembramos de um filme, muitas vezes nos lembramos de uma imagem, de uma pessoa vestida de uma certa maneira. Essa imagem fica gravada em nossa memória coletiva, inspirando tendências, definindo eras e, acima de tudo, contando uma parte essencial da história. O design de moda no cinema é a arte de dar alma aos tecidos, transformando roupas em símbolos poderosos que continuam a falar conosco muito depois que as luzes do cinema se acendem.
E você, qual desses figurinos icônicos marcou mais a sua memória cinematográfica? Tem algum outro filme que acredita que o guarda-roupa merecia um Oscar? Compartilhe suas impressões nos comentários!
