O ser humano sempre contou histórias. Em volta da fogueira, em papiros antigos ou nos grandes palcos, mitos e lendas foram tecidos para explicar o mundo, celebrar heróis e explorar os mais profundos anseios da alma humana. Hoje, nossa fogueira é a tela da televisão, e essa mesma necessidade de narrar permanece mais viva do que nunca. O que acontece, porém, quando um produtor criativo do século XXI pega um mito grego milenar, um romance de época consagrado ou uma epopeia nórdica e decide dar a eles uma nova roupagem? O resultado é uma magia singular: a combinação de alicerces narrativos sólidos e testados pelo tempo com a ousadia visual e temática da contemporaneidade. Esta lista celebra essa arte da reinterpretação, explorando séries que respiraram novos ares em clássicos atemporais, provando que uma boa história pode e deve ser recontada para cada nova geração. Prepare-se para explorar Olimpos modernos, reinos em turbulência e personagens inesquecíveis que ganharam vida de maneira totalmente nova. Abaixo, confira 10 séries que executaram essa tarefa com maestria, cada uma oferecendo um olhar único sobre o material original que inspirou sua criação.
1. Kaos (2024)

Imagine Zeus, o rei dos deuses, enfrentando uma crise de meia-idade paranoica. É esse o ponto de partida irresistível de Kaos, série da Netflix que reconstrói a mitologia grega com um pé firme no mundo moderno. A trama acompanha três mortais — Caeneus, Riddy (uma reinterpretação de Eurídice) e Ari — cujos destinos estão entrelaçados com a profetizada queda de Zeus. A série se destaca por sua abordagem ousada, misturando humor negro, sátira política e dramas humanos, tudo enquanto deuses como um Hades sarcástico e uma Medusa reinventada como uma gestora eficiente do submundo navegam por suas disfuncionais relações familiares e divinas.
Destaque: O visual da série é um personagem à parte. O Olimpo é retratado como uma residência de luxo moderna, enquanto o submundo ganha tons monocromáticos e uma atmosfera intemporal. A caracterização dos deuses também é brilhante, com Jeff Goldblum trazendo uma carisma peculiar e cheio de nuances para Zeus.
Nota IMDb: 7.4/10
2. Percy Jackson e os Olimpianos (2023–presente)

Desta vez, a Disney+ acertou em cheio ao adaptar a amada série de livros de Rick Riordan. A história segue Percy Jackson, um adolescente que descobre ser um semideus, filho de Poseidon. Ao lado de seus amigos Annabeth (filha de Atena) e Grover (um sátiro), ele embarca em missões épicas para evitar uma guerra catastrófica entre os deuses do Olimpo, que agora têm seu panteão localizado no Empire State Building. A série é fiel ao espírito dos livros, capturando perfeitamente a aventura, o humor e o coração da narrativa original.
Destaque: A fidelidade à mitologia e aos livros é impressionante, com Rick Riordan tendo um papel ativo na produção. A escolha do elenco é perfeita, e os efeitos especiais conseguem traduzir a magia e os monstros da mitologia grega para o universo contemporâneo de forma crível e emocionante.
Nota IMDb: 7.2/10
3. American Gods (2017–2021)

Baseada no romance aclamado de Neil Gaiman, American Gods explora uma premissa fascinante: o que acontece com os deuses que imigrantes trouxeram para a América quando a fé nelas diminui? A série acompanha Shadow Moon, um ex-detento que se torna guarda-costas do misterioso Sr. Quarta-feira, uma encarnação do deus nórdico Odin. Juntos, eles embarcam em uma jornada surreal pelo lado místico da América, onde deuses antigos (de mitologias nórdica, egípcia e africana) lutam por sobrevivência contra “deuses” novos, como a Tecnologia e a Mídia.
Destaque: A ousadia visual e conceitual da série é seu maior trunfo. Cada episódio é uma obra de arte cinematográfica, repleto de simbolismo e sequências oníricas. A narrativa é densa e filosófica, desafiando o espectador a refletir sobre crenças, identidade e a alma da América contemporânea.
Nota IMDb: 7.7/10
4. Ragnarok (2020–2023)

Esta produção norueguesa da Netflix leva o conceito de modernizar mitos a um nível literal. A série transplanta o apocalipse da mitologia nórdica para os dias de hoje, em uma pequena cidade norueguesa chamada Edda. A história gira em torno de Magne, um adolescente que descobre ser a reencarnação do deus Thor. Conforme ele aceita seu destino, precisa enfrentar uma família industrial poderosa que está destruindo o meio ambiente e que, suspeita-se, abriga os gigantes responsáveis por desencadear o Ragnarok.
Destaque: A abordagem é mais terra-a-terra e focada no drama adolescente, mas não perde a escala épica. A série é elogiada por suas críticas sociais pertinentes, usando a mitologia nórdica como uma metáfora poderosa para a crise climática e o abuso de poder corporativo.
Nota IMDb: 7.5/10
5. Penny Dreadful (2014–2016)

Penny Dreadful é um triunfo da ambientação. A série reúne alguns dos personagens mais icônicos da literatura gótica vitoriana — incluindo Drácula, Frankenstein e sua Criatura, Dorian Gray e até mesmo figuras como Dr. Jekyll — em uma única e intrincada trama de horror e suspense. No centro da história está Vanessa Ives, uma mulher enigmática e espiritualmente atormentada, cujo destino parece estar ligado a todas essas figuras sombrias que habitam o Londres do século XIX.
Destaque: A atuação de Eva Green como Vanessa Ives é simplesmente arrebatadora, uma das performances mais eletrizantes da televisão. A atmosfera da série é densa, erótica e poeticamente sombria, criando um mundo que é ao mesmo tempo belo e aterrorizante. É uma verdadeira celebração para os fãs dos clássicos do horror.
Nota IMDb: 8.2/10
6. Sanditon (2019–2023)

Baseada no último e inacabado manuscrito de Jane Austen, Sanditon expande o universo da autora para além dos finais felizes convencionais. A série segue a jovem Charlotte Heywood, que deixa sua vida rural para passar uma temporada na estância balneária em ascensão de Sanditon. Lá, ela se envolve com os intrigantes e às vezes escandalosos habitantes do local, incluindo o empreendedor Sidney Parker (na 1ª temporada) e o enigmático Alexander Colbourne (nas temporadas seguintes). A série aborda temas ousados para a época, como homossexualidade e ambição feminina, mantendo o espírito e a ironia característicos de Austen.
Destaque: A coragem de explorar temas mais complexos e dar à heroína um arco de personagem profundamente moderno, focando em sua independência intelectual e emocional. A produção é impecável, com figurinos e cenários deslumbrantes que transportam o espectador para a Inglaterra da Regência.
Nota IMDb: 8.2/10
7. Watchmen (2019)

Mais do que uma simples adaptação, a série Watchmen da HBO é uma sequência genial e provocativa da graphic novel cult de Alan Moore e Dave Gibbons. Ambientada em um Estados Unidos alternativo onde vigilantes mascarados foram banidos após eventos traumáticos, a série introduz novos conflitos raciais. A trama acompanha a detetive Angela Abar, que assume a identidade de Sister Night, enquanto investiga uma conspiração mortal que envolve uma milícia supremacista e figuras remanescentes do passado dos Watchmen, como o Dr. Manhattan.
Destaque: A forma brilhante como a série usa a estrutura de super-heróis para discutir trauma racial na América. O episódio “This Extraordinary Being”, que explora as origens do primeiro super-herói mascarado, Hooded Justice, através de alucinações em preto e branco, é uma obra-prima de narrativa visual e emocional.
Nota IMDb: 8.2/10
8. A Amiga Genial (2018–presente)

Baseada na tetralogia de enorme sucesso de Elena Ferrante, esta produção HBO é um retrato cru e visceral de uma amizade feminina complexa. A série acompanha a vida de Elena Greco e Lila Cerullo, desde a infância em um bairro pobre de Nápoles, na década de 1950, até a velhice. A narrativa detalha como suas vidas se entrelaçam, se separam e se reconectam ao longo das décadas, contra o pano de fundo de uma Itália em transformação social e política.
Destaque: A autenticidade com que a série retrata a dinâmica de amizade, repleta de amor, inveja, admiração e rivalidade. A reconstituição de época é meticulosa, mergulhando o espectador na atmosfera intensa e às vezes opressiva da Nápoles do pós-guerra. É um estudo de personagem profundamente humano e comovente.
Nota IMDb: 8.6/10
9. The Last of Us (2023–presente)

Embora não seja baseada em um mito ou livro antigo, The Last of Us adapta um jogo eletrônico já considerado um clássico moderno, e o faz com tamanha maestria que redefine o potencial das adaptações. Em um mundo pós-apocalíptico devastado por uma infecção que transforma pessoas em criaturas agressivas, o durão Joel recebe a missão de escoltar a adolescente Ellie através dos Estados Unidos. Ellie pode ser a chave para a cura, mas a jornada será muito mais sobre a conexão emocional que se forma entre os dois do que sobre sobrevivência.
Destaque: A série expande inteligentemente o mundo do jogo, dando profundidade a personagens secundários e criando episódios antológicos, como o terceiro, que conta a história de amor entre Bill e Frank – um desvio narrativo que se tornou um dos momentos mais aclamados da televisão recente. A química entre Pedro Pascal e Bella Ramsey é o coração da série.
Nota IMDb: 8.8/10
10. Once Upon a Time (2011–2018)

Esta série da ABC foi uma das pioneiras em misturar contos de fadas em um universo serializado moderno. A trama principal se passa na cidade de Storybrooke, onde personagens de contos de fadas, amaldiçoados pela Rainha Má, vivem sem qualquer memória de suas verdadeiras identidades. A redenção da cidade começa com a chegada de Emma Swan, filha de Branca de Neve e o Príncipe Encantado, que é a única capaz de quebrar a maldição.
Destaque: O apelo da série está na sua inventividade ao entrelaçar as histórias conhecidas. Ver Chapeuzinho Vermelho como uma lobisomem, ou o Peter Pan como um vilão complexo, era constantemente surpreendente. Once Upon a Time é um grande e ambicioso experimento sobre como as histórias que crescemos amando podem ser reinterpretadas de infinitas maneiras.
Nota IMDb: 7.8/10
O Legado que se Renova
Estas séries demonstram que a releitura de clássicos vai muito além de uma simples atualização de figurino ou efeitos especiais. Trata-se de um diálogo criativo entre o passado e o presente, uma oportunidade de reexaminar temas universais — como amor, poder, traição e redenção — através das lentes dos questionamentos e ansiedades da nossa era. Elas nos lembram que os monstros que enfrentamos podem ter mudado de forma, mas os medos e desejos que eles representam são perenes. Ao reinventar essas narrativas, os criadores não só homenageiam o material original, mas também garantem sua sobrevivência, conquistando novos corações e mentes.
E você, qual dessas releituras mais a marcou? Há alguma outra série que você acredita que deveria estar nesta lista? Compartilhe suas opiniões e descobertas nos comentários abaixo.